Associação de fachada: a rádio comunitária que cala a comunidade

Associação de fachada: a rádio comunitária que cala a comunidade

Uma emissora comunitária deveria ser o megafone de uma vizinhança inteira. Deveria amplificar vozes, divulgar cultura, dar espaço a quem quase nunca é ouvido nos grandes meios. No papel, é assim que funciona. A Constituição assegura a liberdade de associação e de expressão, e a Lei nº 9.612/98 define a radiodifusão comunitária como um serviço de interesse público, operado por associações ou fundações sem fins lucrativos, ligadas diretamente à comunidade que representam.

Na prática, no entanto, o que se vê em muitos casos é outra história. Multiplicam-se as chamadas “associações fantasmas”, entidades criadas só para obter uma outorga de rádio ou TV, mas que, fora do CNPJ, não existem de verdade. Não fazem reuniões, não promovem cursos, não defendem causas, não discutem soluções para os problemas do bairro. Servem, única e exclusivamente, como fachada jurídica para explorar um canal de comunicação que deveria ser de todos, mas acaba nas mãos de poucos.

É preciso deixar claro: isso é ilegal. O Código Civil determina que toda associação deve cumprir a finalidade descrita em seu estatuto (artigo 54). Se não cumpre, perde sua razão de existir. A própria lei das rádios comunitárias é cristalina: a concessão pode ser cassada se houver desvio de finalidade. E quem mente em documentos para mascarar uma atuação inexistente comete falsidade ideológica, crime previsto no Código Penal.

Além da letra fria da lei, existe o impacto real. Uma rádio comunitária que não cumpre seu papel não é só um detalhe burocrático. É um atentado contra a democratização da comunicação. É um espaço que poderia transmitir debates, abrir microfone para lideranças locais, dar voz a quem é ignorado, mas vira apenas mais um canal de interesse pessoal, político ou econômico.

Pior ainda, quase sempre quem faz isso conta com a conivência de quem deveria fiscalizar. O Ministério das Comunicações, a Anatel, o Ministério Público, todos têm instrumentos para investigar e punir, mas muitas vezes fecham os olhos. E assim se perpetua o ciclo: a concessão, que é pública, vira privada.

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Neste momento, em que se discute tanto a pluralidade de vozes e o combate à desinformação, é fundamental lembrar que associação comunitária não é balcão de negócios. É compromisso com a comunidade. Quem não cumpre precisa responder. Penalidades existem: perda da outorga, ação civil para dissolução da entidade, processos criminais, se for o caso. Mas, antes de tudo, precisa existir fiscalização e coragem para enfrentar quem usa a lei como biombo para interesses próprios.

Outro ponto essencial é que a rádio comunitária esteja em dia com o pagamento do ECAD, órgão que arrecada os direitos autorais das músicas transmitidas. Isso é obrigatório porque toda execução pública de músicas deve remunerar os autores, mesmo que a rádio não tenha fins lucrativos. Ignorar essa obrigação é violar a Lei de Direitos Autorais. Se a rádio não pagar, pode sofrer ações judiciais, multas, bloqueio da programação e até ter a licença de funcionamento ameaçada. Manter o ECAD regularizado é garantir respeito à lei e segurança para a associação.

A associação que mantém uma rádio comunitária deve prestar contas anualmente aos seus associados, à comunidade atendida, ao Ministério das Comunicações e, se houver recursos públicos, aos órgãos de controle como a Anatel e o Tribunal de Contas. A prestação de contas deve ser transparente, com relatórios financeiros detalhando todas as receitas e despesas, apresentados em assembleias e registrados em documentos oficiais. O descumprimento pode levar à perda da concessão e a sanções legais.

Este editorial não é apenas um alerta. É um chamado à vigilância. Se a comunidade não ocupa seu espaço, alguém vai ocupar, e o silêncio será a maior das censuras.

Redação O Diário de Maringá

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