Brasil dá um passo importante no combate ao racismo
Lorena Nogaroli*
Os primeiros dois finais de semana de novembro foram marcados pela aplicação das provas do Enem 2024, que reuniu mais de 4 milhões de estudantes em todo o Brasil. O Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) avalia o desempenho escolar dos estudantes ao término da educação básica e, ao longo de mais de duas décadas, consolidou-se como a principal porta de entrada para o ensino superior no Brasil. Os resultados individuais do exame também podem ser utilizados em processos seletivos de instituições portuguesas conveniadas com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), facilitando o acesso de estudantes brasileiros interessados em cursar o ensino superior em Portugal.
Além de ser uma via para a educação superior, o Enem se tornou uma ferramenta de conscientização e transformação social, trazendo temas que incentivam uma visão crítica dos estudantes sobre questões importantes no país, como violência, desigualdade, preconceito, ética, cultura, saúde, meio ambiente e tecnologia.
Neste ano, o racismo foi o tema de destaque no Enem. A redação, que representa 20% da nota final do exame, abordou o tema “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”. Além disso, pelo menos mais oito questões trouxeram discussões sobre desigualdade, preconceito e as raízes negras do Brasil.
Educadores consideraram o tema urgente e necessário. Em 2023, uma pesquisa inédita intitulada “Percepções sobre o racismo no Brasil”, realizada pela IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), revelou que 8 em cada 10 brasileiros acreditam que o Brasil é um país racista. O levantamento também mostrou que 80% dos entrevistados percebem diferenças no tratamento entre pessoas negras e brancas pela polícia; mais de 50% afirmam ter presenciado cenas de racismo, e quase 90% concordam que pessoas pretas são as mais criminalizadas.
Na pauta educacional, 69% das pessoas consideram o racismo o tema mais importante a ser estudado nas escolas. A pesquisa também investigou a experiência dos entrevistados que afirmaram ter aprendido sobre história e cultura africana, afro-brasileira, indígena e racismo no ambiente escolar, questionando a abordagem desses temas. Mais da metade dos entrevistados, de todos os níveis educacionais, considerou que a forma como esses assuntos foram tratados na escola é inadequada ou pouco adequada.
O tema também reforça a importância de uma lei que existe há mais de uma década no Brasil, mas que não tem sido aplicada em sua totalidade: a Lei n.º 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e particulares de Ensino Médio e Fundamental. Com o Enem deste ano, o Ministério da Educação conseguiu chamar a atenção dos próprios estudantes para a necessidade da aplicação efetiva da lei e incentivando a fiscalização pela comunidade acadêmica.
Depois de incontáveis esforços, o Brasil finalmente deu um passo importante na luta pela igualdade e, sobretudo, pelo respeito às suas raízes africanas, levando mais de 4 milhões de jovens a refletirem criticamente sobre os 300 anos de escravidão, a compreenderem as forças opressoras que atingiram os afrodescendentes e a reconhecerem as vozes africanas como fundamentais na formação da nação brasileira.
* Lorena Nogaroli é jornalista, especialista em gestão de reputação, sócia-fundadora da Central Press e dirige o escritório da empresa no Reino Unido.