Sob ameaça? Tensões com os EUA reacendem fantasmas da ingerência estrangeira no Brasil

Por Fúlvio B. G. de Castro
Professor de Sociologia e Bacharel em Direito.
As recentes declarações e medidas do governo Donald Trump contra o Brasil acenderam um alerta nos bastidores da política e reacenderam memórias amargas da história nacional. Para analistas e diplomatas, as ações de Washington não são simples ajustes comerciais, mas parte de uma ofensiva política que lembra velhas práticas de intervenção externa.
A tarifa que soou como intimidação.
Na semana seguinte à cúpula do BRICS, Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros – a mais alta imposta a qualquer país nesta rodada de sanções. O argumento oficial seria reduzir o déficit comercial dos EUA. Contudo, dados mostram o contrário: hoje, os norte-americanos têm superávit com o Brasil.
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O anúncio não veio sozinho. No mesmo documento, Trump citou a prisão de Jair Bolsonaro, a regulação das Big Techs e mecanismos financeiros como o PIX – todos temas internos – e criticou iniciativas brasileiras que contrariam interesses de empresas e bancos norte-americanos. Para especialistas, trata-se de um recado: ou o Brasil se curva, ou enfrenta retaliações.
Para o professor Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, o padrão da política externa de Trump se baseia em “chantagem e extorsão”, postura que se repete no caso das tarifas contra o Brasil. “O objetivo é forçar concessões políticas e econômicas sem recorrer a uma negociação equilibrada”, afirmou à Revista Consciência.
Apoio interno à rendição.
Enquanto a maioria da população reagiu negativamente – 72% dos brasileiros consideraram a medida injusta – vozes políticas defendem submissão. O senador Flávio Bolsonaro afirmou que a situação “tem que ser encarada como negociação de guerra” e sugeriu que resistir poderia resultar até em “bombas atômicas” no país.
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A fala expôs fissuras no debate interno e dividiu opiniões: enquanto parte vê prudência estratégica, outros classificam a postura como capitulação prévia.
Histórico de interferência.
O temor não é infundado. Documentos históricos comprovam a participação direta dos EUA no golpe militar de 1964, assim como indícios de influência no impeachment de Dilma Rousseff e na prisão de Lula, segundo investigações independentes. Mais recentemente, figuras ligadas à campanha de Bolsonaro, como Steve Bannon, mantiveram vínculos com empresas envolvidas em manipulação de dados eleitorais, como a Cambridge Analytica.
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Hoje, a ofensiva se manifesta também no campo jurídico e midiático: ataques ao Supremo Tribunal Federal, críticas à regulação das plataformas digitais e a tentativa de classificar facções latino-americanas como terroristas – medida que, segundo analistas, poderia abrir caminho legal para intervenção militar na região.
Trump enfraquecido, mas agressivo.
Paradoxalmente, Trump enfrenta fragilidade interna. Sua aprovação é de apenas 37%, a mais baixa tão cedo no mandato desde a Segunda Guerra Mundial. Fora dos EUA, é o líder global mais mal avaliado, com 58% de rejeição. Crises internas, tarifas contra aliados históricos como Índia e Canadá, e acusações de ligação com o caso Jeffrey Epstein ampliam seu isolamento.
No plano internacional, suas políticas têm gerado reações contrárias: o tarifaço contra a Índia aproximou Nova Délhi de Pequim e Moscou; no México e no Canadá, líderes ganharam popularidade ao se oporem a Washington.
Intencionalmente
Multipolaridade em ascensão.
Enquanto isso, o BRICS avança. O bloco já representa 40% do PIB mundial, superando o G7, e a China desponta como líder em 37 das 44 tecnologias emergentes mais estratégicas do planeta. Pequim aposta em uma diplomacia de investimentos e cooperação, distanciando-se da postura intervencionista de Washington.
No Brasil, os investimentos chineses crescem, mas ainda são limitados pela tentativa de manter equilíbrio entre Ocidente e Oriente. Com as pressões de Trump, essa neutralidade parece cada vez mais difícil de sustentar.
O dilema brasileiro.
O país se vê diante de uma encruzilhada: ceder às pressões norte-americanas ou aprofundar alianças com blocos que pregam multipolaridade. Para críticos, render-se significaria abrir mão de autonomia política e econômica; para defensores da aproximação com o BRICS, seria a chance de reorientar o Brasil para um desenvolvimento menos dependente do Ocidente.
Com a tensão crescente, uma certeza se impõe: as próximas decisões da diplomacia brasileira poderão redefinir a posição do país no tabuleiro global por décadas.