No Paraná, Ratinho Junior faz coisa que assusta o satanás?
O vídeo gravado em um colégio cívico-militar do Paraná revela um cenário profundamente alarmante. Adolescentes marcham em formação, seguindo comandos militares e repetindo de maneira mecânica versos que exaltam violência, morte e extermínio em territórios periféricos. As imagens mostram estudantes entoando a seguinte letra:
“Homem de preto, o que é que você faz?
Eu faço coisas que assusta o satanás.
Homem de preto, qual é sua missão?
Entrar na favela e deixar corpo no chão.
O Bope tem guerreiros que matam fogueteiros.
Com a faca entre os dentes, esfola eles inteiros.
Mata, esfola, usando sempre o seu fuzil.”
A simples leitura do texto já causa choque. Vê-lo sendo repetido por crianças dentro de uma escola pública paranaense eleva a gravidade a um nível intolerável. Essas palavras não são cantadas em tom de crítica social, nem apresentadas como parte de um debate pedagógico. Elas são entoadas como hino, como mantra, como ritual disciplinar. E tudo isso sob supervisão direta de um militar aposentado contratado pelo governo para atuar dentro dessa instituição de ensino.
O espaço escolar, que deveria promover reflexão, convivência democrática e pensamento crítico, se transforma, diante dessas imagens, em um ambiente que naturaliza morte, brutalidade e eliminação de vidas vulneráveis. Surge então uma pergunta urgente e inevitável: estariam as escolas cívico-militares do Paraná, ainda que de forma indireta, ensinando crianças a aceitar a ideia de que favelados devem ser mortos?
Essa pergunta não é exagerada. A letra repetida pelos adolescentes fala explicitamente em entrar na favela e “deixar corpo no chão”. Fala em esfolar pessoas “inteiras”. Fala em matar. Quando isso acontece dentro de um colégio público, protegido e financiado pelo Estado, não estamos diante de mera imprudência. Estamos diante de uma possível doutrinação simbólica que legitima a violência contra determinadas populações, especialmente as mesmas que já são vítimas preferenciais da letalidade policial no Brasil.
O relatório Pele Alvo, da Rede de Observatórios da Segurança, mostra que 86 por cento das vítimas de ações policiais são negras. Mostra também que jovens e adolescentes são os mais atingidos. Em um contexto como esse, permitir que crianças cantem canções que exaltam extermínio de moradores de favela significa reforçar uma ideologia que já mata muito antes de qualquer tiro ser disparado.
A militarização da educação no Paraná foi implantada sem diálogo, sem preparo técnico e contra a orientação de especialistas. Ao colocar policiais aposentados em funções de autoridade dentro de escolas, o governo cria um ambiente que substitui pedagogia por hierarquia e formação crítica por adestramento. O vídeo divulgado agora é consequência direta desse modelo.
A sociedade paranaense precisa decidir que tipo de educação quer oferecer à próxima geração. Uma educação comprometida com a vida, o respeito e os direitos humanos, ou uma educação que normaliza cantos que celebram invasões armadas, tortura e morte? Até quando vamos aceitar que adolescentes repitam frases que tratam o massacre de comunidades inteiras como se fosse um ato heroico?
A escola pública não pode ser espaço de culto à violência. Não pode formar jovens para odiar. Não pode ensinar que determinadas vidas valem menos. É urgente que o Paraná reveja e interrompa esse modelo de militarização que se mostra, dia após dia, mais perigoso, mais ideológico e mais distante de qualquer projeto pedagógico sério.
Enquanto esses cânticos continuarem ecoando dentro de escolas, continuará também a dúvida que precisa ser encarada de frente: que futuro estamos construindo quando nossas crianças aprendem a cantar sobre matar?
Não é de se surpreender que Ratinho Junior ainda não tenha tomado nenhuma providência sobre essa atitude na escola, segundo críticos. Em uma entrevista, o governador teria citado o Rio Iguaçu como sendo o rio que separa o Paraná de São Paulo, o que gerou questionamentos nas redes sociais. Pelo jeito, dizem os críticos, nem de geografia e educação Ratinho Junior parece entender.


