Robin Hood na prática: herói ou vilão?
Guilherme Marques Moura*
Em 1534, Portugal dividiu o território brasileiro em extensas faixas de terra e repassou a administração aos capitães-donatários – apenas 15 ficaram responsáveis pela ocupação no país. Após quase 500 anos, o cenário é similar: a riqueza do Brasil ainda está concentrada nas mãos de poucos, tornando a desigualdade na distribuição de renda um fator marcante na história brasileira. Apesar da concordância quanto à necessidade da redução dessa disparidade, não existe consenso sobre como resolver o problema. Dentre as soluções mais debatidas, vale destacar a taxação de grandes fortunas.
À primeira vista, esse imposto “Robin Hood” aparenta ser positivo somente para os mais pobres, e causar apenas um pequeno efeito negativo na vida dos mais ricos, afinal, eles continuarão ricos. Entretanto, a consequência prática dessa mudança sobre a sociedade brasileira é incerta e duvidosa. O que se sabe é que ter mais é sempre melhor que ter menos, pois, em todo o tempo, buscamos alcançar mais prosperidade. Nesse sentido, com a instituição de um imposto sobre grandes fortunas, os mais ricos podem se deparar com três situações: não ter riqueza contábil, não aumentar sua fortuna ou manter seu dinheiro em países que não tributam a riqueza. No primeiro caso, os indivíduos mais ricos podem utilizar estratégias contábeis para diminuir o pagamento do imposto, manipulando a contabilização de seus rendimentos, de tal modo que o montante pago de imposto possa ser menor com a cobrança desse encargo. Dadas às peculiaridades do sistema tributário brasileiro, esse é um resultado esperado.
No caso anterior, pressupomos que os mais abastados, apesar de terem que pagar mais impostos, continuem tentando aumentar seu patrimônio. Mas isso nos leva a um paradoxo: se passarmos a ser penalizados por termos mais dinheiro, por que então ficarmos mais ricos? Qual a vantagem de realizarmos esse esforço se o prêmio é baixo? Dessa forma, a tributação da riqueza pode diminuir os investimentos produtivos no país, e comprometer também, o emprego, a renda e a arrecadação de impostos (mas o objetivo não era aumentar a arrecadação de impostos?). A redução do investimento no país é ainda pior quando analisada em um mundo globalizado, no qual os investidores buscam nações onde o seu lucro possa ser maior.
Nesse contexto, se o governo brasileiro aplicar o imposto sobre as grandes fortunas, vamos constatar a migração dessas riquezas para países onde não existe essa tributação. Consequentemente, a geração de emprego e renda ocorrerá nesses lugares, assim como, o pagamento de tributos. Adicionalmente, diversas empresas já abandonaram a produção no Brasil alegando que as tarifas são muito elevadas no país. Dessa forma, o efeito direto de um imposto sobre riquezas é justamente a diminuição da riqueza do país, seja contábil ou real, o que já foi registrado em várias partes do mundo. Mas afinal, estamos discutindo transferência de riqueza ou de pobreza?
Apesar de nobre, a história de Robin Hood dificilmente ocorre na prática, tanto que, apesar de previsto na Constituição federal, esse encargo jamais foi regulamentado. Em linhas gerais, o resultado direto do imposto sobre grandes fortunas é a transferência da riqueza e da produção para outros países, comprometendo a geração de empregos e a arrecadação dos governos e, logo, a renda dos mais pobres. De fato, a diminuição da desigualdade não ocorre retirando dos ricos para dar aos pobres, mas sim, com a melhor aplicação dos recursos existentes, com a promoção de igualdade de oportunidades e com aumento da produtividade do trabalho. E ainda existe outra questão importante a ser respondida: a receita desse imposto realmente seria enviada aos mais pobres?
*Guilherme Marques Moura, doutor em Desenvolvimento Econômico, é professor da Escola de Negócios da Universidade Positivo (UP).