20% do salário líquido deve ser guardado e 10% doados
O equilíbrio das finanças depende mais do autocontrole emocional do que da afinidade com números e cálculos. De acordo com a educadora financeira Ana Paula Hornos, a maioria dos brasileiros toma decisões equivocadas em relação ao orçamento doméstico e empresarial e acaba se endividando por não conseguir se controlar. “É difícil resistir as tentações do mercado”, diz Ana Paula, que é professora na Casa do Saber e coach. “Primeiro precisamos saber cuidar das emoções para depois lidar com os números”.
O ‘descontrole’ que leva ao endividamento, segundo ela, é verificado tanto no ambiente doméstico quanto no empresarial. No caso das empresas, a educadora destaca a importância do fluxo de caixa para assegurar a saúde financeira do negócio. Não misturar as finanças de pessoa física e jurídica é outra prática recomendada.
Ela fala com a experiência de quem foi diretora de grupos nacionais de grande porte como o Pão de Açúcar, e em multinacionais como as petroquímicas Dow e Oxiteno e a farmacêutica Eli Lilly. Na Argentina, trabalhou como consultora em gestão estratégica e foi professora convidada no MBA da Universidade Belgrano. Ana Paula é autora da coleção de apoio didático escolar para educação financeira de crianças e adolescentes Educação Financeira e Valores e do livro infantojuvenil Crise Financeira na Floresta.
Em palestra realizada em Maringá em maio, na abertura da Semana Maringaense de Educação Financeira, realizada pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá (Codem), Ana Paula falou sobre ‘Educação Financeira e Neurociência para a prosperidade’. O evento marcou o lançamento do movimento Prosperingá, que tem por objetivo incentivar boas práticas no que diz respeito às finanças. Durante a passagem pela cidade, ela conversou com a Revista ACIM:
Você aborda neurociência e educação financeira. O que essas duas áreas têm em comum?
A neurociência estuda o sistema nervoso, os neurônios e como nosso cérebro funciona. Estuda as estruturas, fisiologia, patologia e as atividades cerebrais em busca da produtividade e da tomada de decisões mais assertivas e prósperas. Por meio de estudos, a neurociência tem mostrado os mecanismos que o cérebro usa de autoengano. A partir daí, a educação financeira vem como conhecimento e treinamento para que as pessoas consigam sair desse sistema de autoengano para tomar decisões acertadas. Uma complementa a outra. Uma traz o conhecimento do nosso organismo e a outra traz o conhecimento das finanças. A maioria das pessoas não toma decisão errada por falta de conhecimento, mas porque não consegue se controlar. E pior, repete muitas vezes esse comportamento. A sequência de decisões erradas é que nos leva a um resultado ruim a longo prazo.
Como é o comportamento do brasileiro em relação à organização financeira?
Temos um alto nível de endividamento da população. Isso vem de um processo histórico dos últimos anos de acesso ao crédito e oferta de produtos. Tornou-se um hábito para o brasileiro adquirir coisas. Antigamente quando havia um cenário de inflação alta, que era ruim, tínhamos uma cultura de educação financeira mais profunda. Teve um período em que os preços mudavam diariamente por causa da hiperinflação. Para sobreviver nesse ambiente, o brasileiro era obrigado a entender matemática financeira ou fazer o mínimo de contas. Era preciso fazer estoque, poupar e controlar as finanças. Quando ganhamos estabilidade, que foi bom para o Brasil, vieram os hábitos de consumo, com tentações e o cenário favorável de compra e de crédito. Deu uma falsa sensação de que se poderia gastar acima das entradas que as pessoas tinham, sem o preparo do conhecimento financeiro. E isso trouxe a situações de endividamento.
Ou seja, os cenários econômico e político influenciam o comportamento?
Precisamos da educação financeira. E isso precisa ser feito de forma organizada, metodológica e estruturada nas escolas, com iniciativas como a de Maringá, por meio do Prosperaingá, que une iniciativas de empresas, cooperativas, governo e academia. Também estamos começando um movimento no Brasil com o lançamento da Semana Nacional de Educação Financeira. O movimento está crescendo, mas ainda somos bem carentes [de educação financeira]. Além disso, o cenário atual favorece o endividamento.
Levar educação financeira às crianças é uma forma eficiente de ensiná-las a lidar com as oscilações do mercado e preparar futuros gestores?
Com certeza. Ao longo da vida vamos nos deparar ora com situações de crise, ora com situações de bonança. O cidadão precisa estar preparado para essas oscilações. Por isso, é importante inserir educação financeira nas escolas e dentro do ambiente familiar, trazendo a criança para a realidade do orçamento da família. Elas precisam ter os comportamentos treinados, ter paciência para não se endividar, praticar a doação e a gratidão, além de outros hábitos necessários para tomar decisões corretas financeiramente.
E para os empresários, quais as orientações para manter as finanças da empresa em dia?
Não misturar as finanças pessoais e as da empresa. Essa é uma dica básica que resulta numa melhor organização, tanto na vida pessoal quanto na empresarial. Quando se misturam as finanças não se tem clareza de quem está saudável e para onde cada orçamento vai. Uma segunda dica importante é ter planejamento e controle, que se resume em fluxo de caixa. Faça fluxo de caixa na ponta do lápis, com todas as entradas e saídas, sem deixar escapar nenhuma informação. Normalmente as empresas se perdem no controle das informações e lançam dados em contas ou datas erradas. O dinheiro é quem manda no fluxo de caixa. Por isso, o critério é fazer o lançamento no dia que o dinheiro entrar, e não na data em que vai receber ou da nota fiscal. E aí entra também a projeção de dados. Este é um bom caminho para ter controle das finanças.
Misturar as finanças é um problema recorrente?
Sim, porque muitas empresas nascem da mistura do cartão de crédito da pessoa física. Pequenas empresas não têm recursos, então o pequeno empreendedor usa o próprio cartão de crédito para começar o negócio. Às vezes é um impulso necessário para aquele começo, mas o certo é separar as duas vidas financeiras. Se já é difícil ter o controle e saber o que está acontecendo na vida pessoal, não menos desafiador é ter o controle da empresa. Quando você mistura, perde a visão das duas figuras, não sabendo quem é saudável e quem não é. Como escolho bons e mal gastos se as contas estão misturadas? Às vezes o gasto da empresa está negativo, mas não é porque a empresa está mal, é porque não o empresário não se controlou e jogou gastos da vida pessoal na empresa ou vice-versa. O orçamento de uma pessoa física dentro de uma empresa fica mais amplo e dá mais possibilidades, que são ilusórias.
O que é importante considerar na hora de fazer o planejamento financeiro do negócio?
Muito antes de olhar para os números, é preciso trabalhar seu talento, vocação e propósito. Quando se escolhe um negócio com o qual não se tem identidade ou talento, há uma chance grande de dar errado. Depois vem a parte dos números visando a uma eficiente gestão financeira. É aqui novamente o fluxo de caixa é muito importante. Antes de abrir o negócio, o empreendedor deve projetar qual mercado vai trabalhar e planejar as ações.
Como se faz a separação de investimento e gastos numa empresa?
A diferença entre investimento e gasto é um conceito contábil. É preciso estudar um pouquinho de finanças empresariais e gestão financeira para entender o que é balanço com demonstrativo de resultados. Nas estratégias de negócios é possível fazer a distinção de bons e maus investimentos. Quando se tem um orçamento restrito, e hoje essa é a realidade da maioria porque o dinheiro é um recurso escasso, temos que fazer escolhas. Essa distinção é feita por meio da estratégia da empresa que exige, entre outros, conhecimento do mercado.
O que precisa ser considerado na hora de optar por recorrer ao crédito?
A taxa de juros e o custo a dívida. Vejo clientes com o hábito de fazer desconto de duplicata para aumentar o capital de giro, mas essa não é uma dívida boa, porque leva a um ciclo vicioso de endividamento. O empresário vende a prazo, não tem capital de giro, então vai ao banco e pede para antecipar o dinheiro. Só que nessa antecipação, em vez de receber 100% do montante, recebe entre 80% e 85%. E esse ‘desconto’ faz diferença no bolso. O produto precisa de uma boa margem para garantir lucratividade à empresa e ainda pagar os juros. Caso contrário, entra-se num círculo vicioso e fica-se girando nele pelo resto da vida da empresa.
Qual recomendação para quem quer se organizar financeiramente?
Recomendo usar 70% do salário líquido, guardar 20% para formar reservas e doar 10%. Doar é a novidade, é um hábito que não temos, mas que nos equilibra emocionalmente. Lembrando que essa conta deve considerar o salário líquido, e não o bruto. E se houver mudança no orçamento, tem que recalcular os gastos mantendo esses índices.
Fonte: Acim