Medida sancionada por Bolsonaro limita atuação de juiz ‘linha-dura’ no caso Flávio Bolsonaro
A criação da figura do juiz de garantias, sancionada por Jair Bolsonaro no pacote anticrime, abre margem para tirar das mãos do juiz Flávio Itabaiana uma eventual ação penal contra o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho do presidente da República.
O caso, porém, ainda pode ser alvo de discussões judiciais -o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, disse ao Painel entender que a aplicação não deve retroagir para casos que já estão em andamento.
O magistrado Itabaiana foi alvo de críticas da família presidencial na semana passada, após deferir 24 mandados de busca e apreensão na investigação que apura a prática da “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Um dos alvos foi a loja de chocolates do senador.
Considerado um dos mais “linha-dura” do Rio de Janeiro, Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, só poderá atuar até o recebimento de uma eventual denúncia contra o senador e seus ex-assessores, segundo avaliam esses especialistas.
Até mesmo os atos judiciais durante a investigação poderiam mudar de mãos, a depender de como o Tribunal de Justiça do estado vai organizar a distribuição dos inquéritos e ações penais.
Contrariando o ministro Sergio Moro (Justiça), Bolsonaro manteve a figura do juiz de garantias ao sancionar o pacote anticrime aprovado no Congresso. O magistrado será o responsável por atuar desde a fase de investigação até o recebimento da denúncia.
Ele poderá deferir pedidos da polícia ou do Ministério Público para quebras de sigilos, prisões preventivas, entre outras medidas cautelares. Mas não poderá atuar na ação penal, que inclui o interrogatório e o julgamento da causa.
É um cenário distinto do atual, em que o juiz que autoriza atos durante a investigação é o mesmo que julga os acusados. A lei tem validade a partir do dia 24 de janeiro.
A investigação contra Flávio Bolsonaro já contou com quatro decisões de Itabaiana. Desde abril deste ano, quando foi sorteado para atuar no processo, ele deferiu quebras de sigilo bancário, fiscal, telefônico e cumprimentos de mandado de busca e apreensão, além do envio, pela Receita Federal, de notas fiscais em nome do senador e outros investigados.
O magistrado passou a ser alvo de críticas mais duras na semana passada, quando foram cumpridos 24 mandados de busca e apreensão na investigação, entre eles a loja de chocolates do senador.
Flávio disse que o juiz “virou motivo de chacota no Judiciário” fluminense. Também vinculou Itabaiana ao governador Wilson Witzel (PSC), atual rival político, citando o fato de sua filha estar empregada na Secretaria Estadual da Casa Civil. No dia seguinte, o presidente também reproduziu a crítica.
“Você já viu o Ministério Público do Rio de Janeiro investigar qualquer pessoa ou ato de corrupção, qualquer deslize de agente público do estado? É o estado mais corrupto do Brasil. Vocês perguntaram para o governador Witzel por que a filha do juiz Itabaiana está empregada com ele? E pelo que parece, não vou atestar aqui, é funcionária fantasma. Já foram em cima do Ministério Público para ver se vai investigar o Witzel?”, disse o presidente.
O professor de direito processual penal Gustavo Badaró, da USP, favorável à medida, afirma que Itabaiana estará impedido de atuar numa eventual ação penal contra Flávio.
“A lei determina que o juiz que atuar na investigação não poderá continuar no caso após o recebimento da denúncia. Isso impede o juiz Itabaiana de atuar no caso na ação penal”, disse ele.
O mesmo entendimento tem o advogado criminalista Breno Melaragno, presidente da comissão de Segurança Pública da OAB.
“Há uma vedação legal para a atuação do juiz que deferiu medidas durante a investigação”, afirmou ele.
A lei delegou aos tribunais a responsabilidade para organizar a distribuição dos processos em fase de inquérito e as ações penais em curso.
Uma das possibilidades é que o sorteio da condução do inquérito seja mantido, e haja nova livre redistribuição após o recebimento da denúncia, excluindo o juiz que atuou na investigação.
Há também a opção de se criar varas especializadas para a condução de inquéritos -uma espécie de “vara de garantias”, que não é exigida pela lei-, cujos magistrados atuariam apenas no acompanhamento das investigações.
Neste caso, a depender da regra estabelecida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Itabaiana seria obrigado a enviar o processo de investigação do caso Flávio a esse grupo.
Itabaiana é conhecido como um juiz “linha-dura” no tribunal. Em dezembro de 2014, os ativistas Caio Silva, Fábio Raposo e Igor Mendes da Silva levantaram as algemas na sala da 27ª Vara Criminal e gritaram a colegas presentes à audiência: “Não passarão!”.
Por Folhapress