Professores têm trabalho triplicado durante a pandemia
Cansaço, gastos extras, acúmulo de trabalho, estresse, barreiras tecnológicas e jornadas intermináveis passaram a fazer parte, com maior frequência, da rotina dos(as) professores(as), desde o início da pandemia do novo coronavírus. Nossa reportagem conversou com uma professora e um pedagogo da rede pública para entender como eles têm administrado essas situações.
É verdade que, historicamente, por conta de descasos de governos, os(as) professores(as) sempre levaram trabalho pra casa, como as pilhas atividades e provas a serem corrigidas. Mas os relatos do momento atual revelam um nível grave de falta de compromisso do poder público com a gestão democrática e ausência de ações que atendam as necessidades de profissionais da educação, estudantes e suas famílias.
A professora Janete Soares dá aulas de Filosofia para cerca de 400 estudantes do Ensino Médio em dois colégios da periferia de Curitiba. Segundo ela, para conseguir se adaptar aos desafios do modelo de ensino não presencial implantado pela Secretaria da Educação e do Esporte do Paraná (Seed), se viu obrigada a gastar mais R$ 5 mil reais entre aquisição de notebook, microfone, câmera de vídeo, iluminação e outros acessórios. “Gastei bastante dinheiro. Estou pagando parcelado”, disse.
Ela conta que ainda precisou aprender por conta própria a usar aplicativos e programas de computador para fazer a gestão das atividades de interação com os(as) estudantes e produzir conteúdos. Apesar de todo o esforço, a professora não está satisfeita. “Eu tentei fazer vídeo, gravei dez vezes para chegar no resultado que eu queria. A gente está fazendo as coisas de forma muito amadora, porque tem todo um conhecimento que precisa adquirir. A gente não sai do analógico para o digital conseguindo se adaptar de imediato”, comentou.
Mas não foi só no bolso que a pandemia mudou a vida da professora. Na casa dela, um cantinho do quarto onde dorme foi adaptado como sala de aula. Ela comprou até um biombo para garantir a privacidade do seu lar nos momentos em que precisa gravar uma aula ou fazer uma transmissão ao vivo com os(as) estudantes.
A rotina diária da professora Janete também foi impactada. Mestranda em Ciência Política, ela relata que tem encontrado dificuldade para manter seus estudos em dia. O problema é causado porque nem todos os(as) estudantes têm conseguido aderir à proposta de ensino remoto implantada pelo governo.
A consequência disso é que os(as) professores(as) estão ficando sobrecarregados(as) por terem que acompanhar, ao mesmo tempo, estudantes que estão atrasados com os conteúdos. “É como se a gente tivesse dando aula particular para vários alunos. Às vezes, por causa de um aluno, a gente precisa dedicar uma manhã inteira para resolver só aquela situação”, explicou.
De acordo com a professora, as diferenças de etapa onde cada estudante se encontra e de acesso às tecnologias interfere até nos seus momentos de descanso. “Antes do dormir eu acesso o e-mail. Será que algum aluno está com dúvida? Será que ele perguntou alguma coisa? No outro dia eu acordo de manhã, será que tem alguma pergunta, alguma dúvida, alguma coisa que os alunos postaram? Chega final de semana você pensa: será que tem aluno que só vai conseguir fazer a atividade no final de semana? Então, é como se a gente estivesse num plantão todos os dias da semana”, relatou.
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Três vezes mais trabalho
Em outra região periférica da capital paranaense, quem também tem sido desafiado pela pandemia e pelo modelo de ensino a distância adotado na rede pública do Paraná é o pedagogo Nédio Bagatini. Com idade acima dos 60 anos, o educador faz parte do grupo de risco da Covid-19. Apesar disso, pra ele a ausência de aulas presenciais não reduziu o trabalho, pelo contrário.
“Ficou um fim de ano muito complicado, muito corrido, muita cobrança. Tá bem difícil. Eu trabalho três vez mais em casa do que na escola. Tenho que fazer ligações para os pais a noite, porque de dia ninguém atende. Se eu não fizer isso, fica tudo abandonado” comentou.
Isolado em sua casa, o pedagogo conta que também fez investimentos para continuar o trabalho distante da escola. A área de lazer da sua residência ganhou adaptações para acomodar ele, a esposa e filhos durante as atividades profissionais. A velocidade da internet foi aumentada para dar conta da nova demanda. “A estrutura de lidar com computador é muito cansativa, desgasta muito as pessoas”, avaliou o educador.
Preocupados(as) com o próximo
Durante as entrevistas, apesar das perguntas sempre feitas com o objetivo de obter informações sobre o impacto da pandemia especificamente na vida dos(as) profissionais da educação, em boa parte das respostas, tanto a professora quanto o pedagogo acrescentaram comentários e relatos enfatizando a realidade dos(as) estudantes e suas famílias. Esse comportamento chama a atenção e revela a consciência e o compromisso dos(as) educadores(as) com o próximo, mesmo diante dos desafios e cobranças a que também estão sendo atingidos(as).
Segundo a professora Janete, muitos estudantes da rede pública estão excluídos desse modelo de aulas não presenciais, seja por falta de internet, de equipamentos ou de pessoas para fazer o acompanhamento em casa. “Tudo isso gera muita ansiedade nos alunos também. Uma aluna me disse que às vezes se sente inútil, pois mesmo fazendo tudo, sente que não está aprendendo nada”, comentou.
Na opinião dela, as incertezas geradas pela pandemia e as decisões do poder público transformaram a comunidade escolar em “cobaia”. “Eu acho que faltou o governo ouvir mais os alunos, pais, professores, comunidade. É claro que tinha que ter uma resposta rápida. Mas tinha que ser algo um pouco mais dialogado, inclusive com as famílias que não tem acesso (a internet), que têm dificuldades neste sistema. Então a gente observa que está tendo pouco apoio para os professores e para os alunos”, disse.
Segundo Bagatini, a escola onde ele trabalha conseguia uma boa interação com os(as) estudantes até o recesso de julho. Já no no retorno das aulas a distância, a situação mudou e uma das causas pode ter sido as mudanças acrescentadas pela Secretaria da Educação, sem diálogo com a comunidade. Ele conta que, atualmente, cerca de 50% dos estudantes estão com notas abaixo da média.
“Quando voltamos (do recesso) eu levei um susto com o abandono de alunos. Claro que teve mudanças da Secretaria da Educação na forma de trabalhar, trazendo outras estruturas. Eles falam que era pra ela melhor, não para pior. Mas os alunos já estavam acostumados a trabalhar de uma forma e, de repente, meio que desistiram. Agora estamos resgatando”, contou.
Desafio para todos(as)
Assim como a professora, o pedagogo também avalia que a situação é desafiadora para todos os setores da sociedade. “Olha, eu nunca vivi uma situação dessa. Eu passei por muitas variáveis na educação, mas como essa nunca tinha visto, nunca tinha presenciado. É uma coisa muito complexa, uma situação que mexeu com todas as estruturas”, comentou Bagatini.
Para o pedagogo, que também é sociólogo, as famílias brasileiras não têm o apoio necessário do Estado para enfrentar a pandemia. “Nós estamos entre as primeiras economias do mundo. Então não poderia o povo estar tão abandonado assim. É lamentável ver uma elite que não dá importância ao seu povo”, criticou.
Para a professora Janete, tem desgastes que são da própria pandemia e outros que são do sistema de trabalho na pandemia. Mas o que mais a deixa incomodada é exclusão digital dos estudantes e das famílias. “A pandemia mudou a rotina de todo mundo, mas o que mais me preocupa é a desigualdade e a exclusão de quem não consegue acompanhar (as aulas não presenciais)”, concluiu.
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