Agilidade e conveniência do áudio explicam sucesso do Clubhouse
Nova rede social utiliza a voz, meio de interação entre pessoas e equipamentos em ascensão no mundo todo. Apesar de já ter se tornado um fenômeno, a novidade ainda deixa perguntas em aberto
Imagine entrar numa sala virtual e ouvir, ao vivo, personalidades como a apresentadora americana Oprah Winfrey ou o todo poderoso do Facebook Mark Zuckerberg conversando ao vivo com os ouvintes. Com usuários de peso, como personalidades do Vale do Silício e celebridades brasileiras como Anitta, Luciano Huck, e Felipe Neto, o Clubhouse é a rede social do momento e está agitando o cenário virtual. Lançada em abril de 2020, nos dois primeiros meses de lançamento, contava com cerca de 1.500 adeptos e era avaliada em U$ 100 milhões. Em janeiro de 2021, após nova rodada de investimentos, alcançou U$ 1 bilhão em valor de mercado e estima-se que já possua mais de 6 milhões de usuários. No Brasil, as buscas pelo Clubhouse cresceram 525% entre 30 de janeiro e 6 de fevereiro, se comparado com a semana anterior, ultrapassando o TikTok no interesse de buscas no mês de fevereiro.
Qual o segredo para tanto sucesso? O Clubhouse é uma plataforma de voz. O aplicativo tem uma vasta quantidade de rooms ou salas de bate-papo, limitadas a 5 mil ouvintes e organizadas por segmentos como talk shows, podcasts, networking, música, filmes, relacionamento e tantos outros. O usuário entra e escolhe uma sala para trocar uma ideia com os contatos que possui ou então apenas para ficar ouvindo outras pessoas falarem sobre o tema de sua preferência. De acordo com o especialista em inteligência artificial aplicada à voz e CEO da PhoneTrack, Marcio Pacheco, a ascensão da voz pode explicar o sucesso da nova rede social. “Desde sempre, a voz é um poderoso instrumento de comunicação e interação entre as pessoas, mas, de uns tempos para cá, ela ressurgiu com força total. Falar é mais conveniente do que escrever. A gente fala até sete vezes mais rápido do que escreve, e podemos falar ou escutar enquanto realizamos outras tarefas, como andar e dirigir; já escrever é quase uma monotarefa”, afirma Pacheco.
Para ele, o comportamento do consumidor e de usuários das redes sociais já vinha dando sinais claros de que a voz voltaria a ser o principal canal de interação entre pessoas e equipamentos. “A vida moderna está sempre acrescentando um ritmo mais acelerado à rotina das pessoas. Além disso, as novas gerações são cada vez mais multitarefas. Os smart speakers nos mostram como é fácil fazer buscas por voz e consumir conteúdo e informação dessa forma. Interagir com outras pessoas por meio da voz também está se mostrando muito mais prático. Todo esse contexto tornou o terreno fértil para o surgimento de uma rede social como o Clubhouse”, ressalta o especialista. Segundo Pacheco, o conceito veio para ficar e está abrindo espaço, inclusive, para que outras plataformas com a mesma proposta possam surgir. “Uma rede dessas, na nossa visão, vem para fortalecer aquilo que a gente acredita que é o futuro da comunicação entre as pessoas: menos tela e mais interação por voz”, acrescenta.
O presidente da Abradi/PR (Associação Brasileira de Agentes Digitais) e professor da pós-graduação em Mídias Digitais da Universidade Positivo, Ney Queiroz, concorda que uma rede social exclusiva para áudios seja mesmo uma tendência e destaca alguns pontos interessantes sobre a nova plataforma. O primeiro deles é que, por restringir a participação dos usuários apenas à voz e áudio, ela elimina a exposição da imagem, dando à quem fala uma liberdade e conforto muito maiores. Outro ponto destacado por Queiroz está ligado ao conteúdo do que está sendo falado. “Esse início de experiência na nova rede já nos mostrou que o conteúdo que está proposto ali é o mais importante e ele precisa ser muito bom, porque não há mais nada para prender ou desviar a atenção, não tem uma imagem, por exemplo. Em outras redes sociais, o visual complementa a mensagem – mas pode também desviar o foco do conteúdo principal”, explica. Segundo Queiroz, esse novo conceito é muito bom para quem busca conteúdo mais aprofundado.
O especialista em mídias digitais acredita que o caminho aponta para uma segmentação das redes sociais. “O Clubhouse não vai acabar com o Instagram ou com o Twitter; as redes sociais se complementam e elas vêm para preencher lacunas deixadas pelas outras redes. Com o tempo, acabam fidelizando públicos diferentes e com objetivos diferentes. O TikTok é um exemplo disso. A rede surgiu com foco e público alvo específicos – quem quer fazer vídeos de danças com músicas inusitadas vai para o TikTok. Agora, quem quer discutir política, postar fotos, ver a família e amigos, busca outras redes”, ressalta Queiroz.
E como controlar o que é dito?
O presidente da Abradi/PR afirma que ainda não é possível saber como vai ser a política de monitoramento e qual o trabalho que os criadores da plataforma terão para fazer um controle sobre os conteúdos e o que é falado ali. “Ainda é cedo para saber como e se isso será feito, até que ponto uma curadoria nesse sentido vai funcionar. Não sabemos como será, por exemplo, se surgir uma sala com tema ou conteúdo voltado para uma prática criminosa, ou para disseminação de ideias como racismo. Como a rede social vai se comportar? O fato é que hoje há uma liberdade muito grande, qualquer um pode criar uma sala, propor temas, tudo de forma muito aberta e democrática”, destaca.
Outras dúvidas são levantadas pelo Chief Marketing Officer (CMO) do Banco Bari, Ricardo Sanfelice. Ele lembra que, neste início, a rede social é gratuita e ainda não se falou em um modelo de monetização. “Não se sabe se a moderação das salas num futuro poderá ser patrocinada, ou se os temas serão dirigidos e sugeridos pelo algoritmo conforme interesses dos patrocinadores”, alerta. Sanfelice destaca também que o Clubhouse é uma rede social de topo de pirâmide, já que, inicialmente, está reservada apenas a usuários do sistema IOS (IPhone), tornando o público da classe A majoritário dentro da plataforma. “As temáticas e o foco principal de quem está por lá também acabam influenciados por essa segmentação, voltando o Clubhouse fortemente para o lado business”, aponta.
Para Sanfelice, isso já impõe à nova rede um desafio: o da massificação. “Será que o Clubhouse vai conseguir gerar conteúdo que seja atrativo para todas as classes sociais? Depois que passar esse início estrondoso, será que vai continuar em alta? E, a partir da massificação, a grande oferta de conteúdo vai exigir um esforço extra para mineração do que mais interessa ao usuário, num universo enorme de temas e salas, o que vai exigir do algoritmo muita habilidade e inteligência para selecionar o que realmente vale”, analisa. Profissional da área de marketing, Sanfelice confessa que estava cético em relação à novidade, mas salienta que o Clubhouse conseguiu explorar muito bem o efeito FoMO – Fear of Missing Out – medo de estar perdendo algo. É uma sensação muito comum em pessoas viciadas em redes sociais. O aspecto de exclusividade fez muita gente correr em busca de um convite. “Ainda existem muitos pontos de interrogação, mas certamente, vale a pena conseguir entrar e provar da novidade”, completa.