Falta de cumprimento à legislação sobre veículos sinistrados aumenta o risco de acidentes
Somados à frota antiga e sem manutenção, carros e motos que se envolveram em acidentes e continuam em circulação são alguns dos perigos do trânsito no Paraná
Dos mais de 7,7 milhões de veículos em circulação registrados no Paraná, 65% têm mais de dez anos de vida útil, de acordo com dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-PR). E, quanto mais antigo um veículo, maior a necessidade de manutenção para garantir a segurança no trânsito. Deste total, mais de 1,1 milhão de veículos têm mais de 30 anos. Além daqueles sem manutenção, outro fator agravante e que contribui para piorar as estatísticas diz respeito aos automóveis e motos envolvidos em acidentes – conhecidos como sinistrados – e que voltam a circular irregularmente, contrariando a legislação federal. Em 2019, segundo o anuário estatístico do Detran, o Paraná registrou 36.261 acidentes de trânsito naquele ano, com 46.718 vítimas, das quais 1.605 fatais.
Em todo o mundo, cerca de 1,35 milhão de pessoas morrem anualmente em decorrência de acidentes no trânsito, segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) – braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas. Segundo a entidade, os acidentes de trânsito custam à maioria dos países 3% de seu produto interno bruto (PIB). No Brasil, essa cifra ultrapassa os R$ 130 bilhões todos os anos, segundo estudo de 2016 da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP). E um dos problemas que agravam esse quadro é a subnotificação ou a notificação irregular dos acidentes.
No Paraná, desde que foi implantado o boletim eletrônico para registro de ocorrências, um número significativo de acidentes de “média e grande monta” – quando o veículo fica inutilizado – passou a ser classificado de forma inadequada, uma vez que o documento virtual não exige a apresentação das imagens do veículo. Apesar da inexistência de vítimas, essa situação permite que os veículos sinistrados voltem a circular depois de recuperados, sem qualquer avaliação técnica.
A advogada Fernanda Kruscinski, especialista em trânsito e transportes e assessora jurídica da Associação Paranaense dos Organismos de Inspeção Acreditados (APOIA), explica que esse modelo contraria a legislação federal, a Resolução 810/20 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). A medida orienta sobre a classificação de danos e os procedimentos para a regularização, a transferência e a baixa dos veículos envolvidos em acidentes, conforme os requisitos estabelecidos pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
Além disso, a advogada ressalta que o boletim eletrônico não coloca como obrigatória a publicação das fotos do veículo acidentado, que são essenciais para que a autoridade de trânsito possa fazer a correta classificação da monta do veículo. Isso significa que mesmo que tenha sido dada “grande monta” por não apresentar condições mínimas de segurança, o veículo pode voltar a circular depois dos reparos, mesmo que em condições inadequadas.
Segundo a advogada, o estado do Paraná ainda não está adequado à legislação, o que causa prejuízo aos consumidores, principalmente neste momento em que cresce a procura por veículos usados.
MOTOS
As motos são outro fator preocupante no trânsito e que agravam esse cenário. Um levantamento realizado pelo Batalhão de Polícia de Trânsito (BPtran) apontou que 52,2% dos acidentes de trânsito registrados em Curitiba entre janeiro e abril de 2021 envolveram motociclistas. Em números totais, foram 1.426 ocorrências, das quais 745 com motos.
Fernanda lembra que os acidentes envolvendo motociclistas têm fatores agravantes em comparação aos demais tipos de veículos: “Na moto, o único equipamento de segurança é o capacete. Porém, todo o restante do corpo está vulnerável e as sequelas costumam ser graves”, comenta.
A advogada afirma que é grande o volume de motos e de carros sinistrados que são recuperados e que voltam a circular, sem passar pelas inspeções de seguranças determinadas pela lei. E, além dos riscos à vida, existem ainda os danos financeiros.
Ela cita como exemplo o caso de uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), condenando uma loja de veículos a devolver os valores pagos por um cliente que adquiriu uma Ferrari F-430 por R$ 1,17 milhão, em 2009, sem saber que o carro teve sua estrutura recuperada após se envolver em acidente grave. “Esse é um caso emblemático devido ao alto valor envolvido, mas existem milhares de situações em que as pessoas são lesadas ao comprar carros batidos sem saber. A legislação é muito clara ao explicar os protocolos para os veículos sinistrados. O problema é que, devido à falta de fiscalização, essa regra é ignorada no país”, critica.
Fernanda fala que com a possibilidade de fazer o boletim de ocorrência eletrônico após um acidente, aumentaram os casos de subnotificação ou a notificação irregular dos acidentes. “Boa parte desses veículos não teriam condições de voltar a circular, mas são recuperados, revendidos e não há qualquer tipo de fiscalização para verificar se estão em condições adequadas de segurança”, comenta a advogada.
PANDEMIA
A advogada ressalta ainda que, com a pandemia, aumentou significativamente o número de motos em circulação, devido aos serviços de logística nos mais diversos segmentos – alimentação, comércio em geral e serviços. “Essa também foi uma alternativa para milhares de pessoas que perderam seus empregos e a renda nesse período. Porém, a grande preocupação é que não há nenhum tipo de fiscalização sobre essas motos que estão transitando diariamente e colocando em risco a vida dos motociclistas e de tantas outras pessoas”, comenta.
Segundo as informações mais recentes do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), a moto é o veículo que mais mata no Brasil. Em 2016, das 37,3 mil mortes no trânsito, 12,1 mil envolveram motociclistas, um total de 32%. Por outro lado, as motos representam apenas 27% do total da frota de veículos do país (97 milhões), segundo dados de 2017 do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e foram responsáveis por 74% de todas as indenizações do DPVAT (Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre).
Marielle Blaskievicz