Com regressão da pandemia, Covid longa torna-se preocupação maior
Com mais de 52% dos brasileiros com o esquema vacinal anti-Covid-19 completo e a média diária de mortes abaixo de 340 no país, a pandemia tem demonstrado sinais de enfraquecimento. Nesse cenário, que parte para um futuro alívio, Davi Tamamaru de Souza, chefe da UTI Covid do Hospital Universitário Regional de Maringá (HUM) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), entende que um possível colapso em sistemas de saúde deixa de ser a principal preocupação, dando lugar à síndrome pós-Covid, popularmente conhecida como Covid longa. Ela pode ir de casos de fadiga, tosse, transtornos mentais, problemas de pele, renais e no coração até morte súbita.
A Covid longa reflete a presença de sequelas que continuam mesmo após três meses da infecção, ou ainda quando há surgimento de sintomas a partir desse período. “Conclui-se que mesmo os pacientes que foram assintomáticos na Covid-19 podem apresentar sintomas após 12 semanas”, alerta o médico cardiologista. As sequelas e suas intensidades variam bastante, inclusive não é possível determinar, ainda, se serão permanentes ou não, bem como quais órgãos são os mais comumente atingidos, embora os sistemas cardiovascular, pulmonar e neurológico tendem a ser os principais.
De acordo com o médico do HUM, “não dá para precisar por quanto tempo que os pacientes vão ter essas sequelas da Covid longa, por ela ser muito recente”. Com isso, profissionais de saúde vão ter que acompanhar, por um tempo indeterminado, o tratamento e a reabilitação de pacientes que sobreviveram à doença, mas que não ficaram totalmente recuperados no início. “Para as pessoas que são vacinadas adequadamente, vemos que os casos graves agudos são menos intensos. E, consequentemente, as complicações também reduzirão. Esse é o grande benefício da vacina”, reforça o chefe da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) voltada à Covid-19.
Quem teve Covid-19 deve passar por uma reavaliação médica após dois ou três meses, indica Tamamaru. O checkup (exames médicos completos) é fundamental, “principalmente aos que ficaram internados e aos que ficaram internados em UTIs”, de modo a verificar a presença ou a ausência de sequelas, bem como o funcionamento dos órgãos. O médico sugere que o paciente passe por, pelo menos, pneumologista e cardiologista. “A depender individualmente de cada paciente, será traçado um plano de investigação”.
Os médicos e enfermeiros, sempre lembrados nos cuidados aos pacientes com Covid-19, não são os únicos envolvidos no pós-Covid. Conforme Tamamaru esclarece, “a Covid acomete o paciente como um todo, e os pacientes que ficaram em UTIs saem com uma massa muscular prejudicada, desnutridos, e precisam fazer reabilitação com fisioterapeuta, educador físico, nutricionista, fonoaudiólogo e psicólogo”.
Estudo internacional – Em uma pesquisa publicada em inglês no periódico Scientific Reports (da Nature), 47.910 pacientes entre 17 e 87 anos de idade foram submetidos a avaliações. Os cientistas puderam concluir que 80% dos pacientes desenvolvem um ou mais sintomas de longo prazo após contraírem a Covid-19. De 55 sequelas registradas, as mais comuns são fadiga (58%), dor de cabeça (44%), déficit de atenção (27%), queda de cabelo (25%) e dificuldade para respirar (24%).
Ambulatório pós-Covid – Em Maringá, o Ambulatório Pós-Covid da Prefeitura, oferecido pela Secretaria de Saúde, atende pacientes em 16 especialidades e é referência no tratamento da Covid longa. Há parceria com a UEM, a Universidade UniCesumar e o Centro Universitário Ingá (Uningá).
O Executivo municipal orienta que para ser atendido é preciso procurar a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima da sua casa e levar o encaminhamento médico de alta hospitalar. Nessa unidade, a pessoa será inserida na Central de Regulação e encaminhada para a clínica médica da UBS Aclimação ou das instituições de ensino superior parceiras.
Cuidados devem continuar
A Covid-19 é uma doença que ainda mata diariamente, a pandemia não acabou! “É fundamental mantermos todos os cuidados preconizados, de uso de máscara, lavagem de mãos e evitar aglomerações”, pede Tamamaru, que também pontua a importância da vacinação, seja em dose única, dupla e até dose de reforço para os públicos que precisam dela. “Vemos claramente que, após a imunização, os casos graves tiveram uma redução significativa. Está claro, para a Medicina, que a vacina é fundamental no combate ao vírus”.
Cesar Helbel, médico infectologista do HUM da UEM, desmistifica a ideia de que a vacina anti-Covid possa ser ineficaz. “A grande maioria das vacinas para outras doenças não traz uma proteção de 100%. Ao longo dos anos, a vacinação avança, as doenças circulam menos e há diminuição de casos e mortes”, aponta. Como essa não é a hora de baixar a guarda, ele dá mais dicas para evitar uma terceira onda de contaminações por Covid-19 no Brasil:
Reportagem – Com a redução significativa de casos e mortes no Brasil, isso quer dizer que o Brasil não passará por uma 3ª onda de Covid-19?
Helbel – Não dá para afirmar isso, principalmente por causa das novas variantes. É preciso que haja um controle melhor ainda da doença, porque não estamos livres de ter outros surtos.
Reportagem – A variante delta é considerada uma nova doença?
Helbel – Não. As variantes podem ter apresentações clínicas um pouco diferentes umas das outras e a forma como as pessoas podem se (re)infectar também pode mudar.
Reportagem – O que é considerada uma aglomeração?
Helbel – Quando você não consegue manter uma distância segura entre as pessoas. Essa distância segura tem sido colocada entre 1,5 m e 2 m. Não depende muito do número de pessoas, mas do espaço físico e de outras variáveis.
Reportagem – Só posso contrair a Covid-19 se eu estiver em uma aglomeração?
Helbel – Não. Você pode contrair, por exemplo, ao tocar em um trinco de porta contaminado e depois tocar em sua via respiratória (nariz e boca), mesmo que não tenha mais ninguém ali.
Reportagem – Se duas pessoas estiverem com máscara, podem ficar perto o tempo todo e inclusive se abraçar?
Helbel – Os protocolos de biossegurança diminuem o risco de infecção, mas não o zeram. Quando coloco máscara e higienizo as mãos, diminuo o risco. Se me afasto da pessoa, diminuo ainda mais esse risco.
Reportagem – Se estou com máscara, isto basta para estar protegido se eu conversar perto de outra pessoa que está sem?
Helbel – Quanto mais barreiras vou colocando, menor a chance de infecção. Se há alguém sem máscara, essa pessoa pode contaminar mais o ambiente e, quando ela sair e eu retirar a máscara, de repente posso me contaminar pelo ambiente. Quando ambas estão com máscara, o ambiente fica menos contaminado.
Reportagem – Quando devo higienizar as mãos com álcool em gel ou lavar as mãos com água e sabão?
Helbel – Frequentemente, mas não há um período determinado. Se, por exemplo, eu for pegar um ônibus, é melhor aumentar essa frequência. O álcool é um excelente antisséptico, mas lavar as mãos também é um excelente método de higienização – e até melhor, porque remove a matéria orgânica, a sujeira.
Reportagem – Aferição de febre em estabelecimentos comerciais pode ser considerada uma triagem efetiva de Covid-19?
Helbel – Se conseguirmos fazer com que os doentes não circulem, principalmente em ambiente fechados, diminuiremos os riscos de infecção. Claro que a pessoa pode não estar em um momento de febre, pode nem ter febre, ser assintomática e também transmitir a doença. A Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda a prática de aferir a febre para confirmar ou descartar a Covid-19.
Reportagem – Se tomei as duas doses da vacina ou a dose única há mais de um mês, não contraio mais a Covid-19?
Helbel – A cobertura das vacinas nunca é de 100%. E ainda não temos um bom método disponível para toda a população para saber quem ficou imunizado completamente. Então, estamos mais protegidos do que sem a vacina, mas não é 100% de proteção.
Reportagem – Se vou ficar (beijar) com uma(um) desconhecida(o) e essa pessoa diz que não apresenta sintomas de Covid-19 e que está vacinada, isso é seguro?
Helbel – Há níveis de segurança. É muito mais seguro ficar com pessoas vacinadas do que não vacinadas, mas esse risco nunca é zero. Por isso que para liberar o convívio social e a vida normal, precisaríamos que as taxas de transmissão e de adoecimento da população estejam em níveis muito baixos e que toda a população tenha recebido a vacina.
Dúvidas sobre os vírus e a Covid-19
Já são mais de 19 meses de pandemia. Mesmo assim, algumas dúvidas podem permanecer. Para saná-las, procuramos o virologista Dennis Armando Bertolini, professor do Departamento de Análises Clínicas e Biomedicina (DAB) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PCS) da UEM:
Reportagem – Os vírus são seres vivos?
Bertolini – Existem duas linhas de pesquisadores: uma defende que vírus são micro-organismos mortos, uma vez que, para que possam estar vivos, precisariam de uma célula viva; outros defendem que seriam vivos, pois, uma vez que, ao entrarem em contato com uma célula-alvo, rapidamente se reproduziriam, indicando, portanto, que estavam vivos. Na minha humilde opinião, para que um micro-organismo possa causar infecção haveria a necessidade de estar vivo. Desta forma, considero os vírus como micro-organismos vivos.
Reportagem – Como o Sars-Cov-2, vírus causador da doença Covid-19, se multiplica?
Bertolini – O Sars-CoV-2, ao entrar em contato com o corpo, reconhece estruturas presentes na superfície das células, principalmente nas epiteliais do trato respiratório inferior (pulmão), que são denominadas de receptores. Nesse caso, seria o receptor denominado Enzima Conversora de Angiotensina 2 (ACE2). Na camada externa do Sars-CoV-2 tem uma estrutura denominada de envelope, que possui várias protuberâncias semelhantes a uma coroa, denominadas de spike. A spike liga-se ao receptor ACE2, ocorrendo uma fusão do envelope viral com a membrana da célula, momento em que o vírus libera o seu material genético (RNA) no citoplasma da célula, passando a dominar todo o maquinário celular a seu favor para a produção de novas partículas virais, que saem da célula para continuar o ciclo de replicação.
Reportagem – O novo coronavírus (Sars-Cov-2) sobrevive por quanto tempo fora do corpo humano?
Bertolini – Segundo um artigo publicado em 2020 numa das revistas científicas mais importantes do mundo, o Sars-CoV-2 pode sobreviver em aerossóis por: até três horas no cobre; até quatro horas no papelão; até 24 horas no inox; e no plástico de dois a três dias. No entanto, devem ser levados em consideração o nível de umidade e o volume do material biológico, além de condições como temperatura, circulação do ar e incidência do sol.
Reportagem – As variantes da Covid-19, como alfa, beta, delta e gama, são consideradas novos vírus ou são o próprio Sars-Cov-2? E mutações em vírus são comuns?
Bertolini – Antes de falarmos de variantes, é importante esclarecer o que seria uma mutação. Mutação pode ser representada por uma troca/substituição ou perda de material genético na sequência do RNA em regiões importantes do genoma do vírus. Dependendo de onde a mutação ocorre, isso pode ser inviável para o vírus e ele morre. No entanto, dependendo da região e das habilidades que o vírus adquire com essas mutações, pode se tornar mais transmissível e perigoso para a saúde humana.
Desta forma, uma variante seria um genoma de um vírus que difere de outro vírus da mesma espécie. Já uma cepa seria aquela variante que adquiriu alguma característica importante, como maior transmissibilidade, resistência aos anticorpos produzidos pela vacina e aos medicamentos. O correto seria chamarmos uma variante, como a alfa, beta, gama e delta, de cepas, mas já nos acostumamos a chamá-las de variantes.
Os vírus, que têm como ácido nucleico (material genético) o RNA, normalmente, é esperado que sofram mutações durante o seu processo de replicação. O Sars-CoV-2, apesar se ser um vírus RNA, possui uma enzima que o auxilia a controlar as mutações, sendo que não ocorreriam tantas mutações que pudessem favorecer o surgimento de variantes. No entanto, o que vem colaborando com o surgimento de várias variantes desse vírus é a alta taxa de transmissibilidade, favorecendo uma grande circulação de vírus e de seleção de variantes mais preocupantes. Daí a importância de uma vacinação rápida para a maioria das pessoas, pois, com isso, pode-se reduzir a transmissibilidade e, consequentemente, o surgimento de variantes.
Fonte: Assessoria de Comunicação UEM