Vereadores eleitos pelo Povo para fiscalizar o Executivo assumem cargos no próprio Executivo
A Câmara Municipal tem um papel claro: os vereadores eleitos pelo voto popular assumem a responsabilidade de fiscalizar o executivo municipal, propor leis e atuar diretamente em defesa da população. É o que se espera no exercício pleno da democracia e no respeito ao voto. No entanto, com uma frequência cada vez maior, observamos uma manobra política que levanta questões éticas: vereadores eleitos para fiscalizar o prefeito e o executivo, em vez de permanecerem em suas cadeiras legislativas, aceitam cargos de secretário municipal, deixando a função de legislar para atuar como braço do executivo. Esse movimento, ainda que permitido em lei, traz à tona uma questão preocupante de representatividade e compromisso ético.
Quando um vereador deixa sua função para atuar como secretário municipal, ele desvia-se de sua missão inicial de fiscalizar o executivo em favor de um papel de execução direta, o que representa uma clara mudança de função. Essa situação é delicada, pois o vereador foi eleito com uma expectativa popular de fiscalização e não para executar ordens de um prefeito, que muitas vezes sequer é da preferência política do eleitorado que o elegeu. A manobra se torna ainda mais questionável quando olhamos para o preenchimento das vagas na Câmara: a saída de um vereador favorece a entrada de suplentes, que, em muitos casos, receberam uma quantidade menor de votos e, portanto, não teriam obtido uma cadeira de outra forma.
Esse rearranjo de posições pode parecer vantajoso para as articulações políticas, mas traz um efeito colateral que enfraquece o processo democrático. Primeiro, porque a escolha do eleitor é substituída por uma engenharia política que favorece o coeficiente eleitoral em vez da quantidade de votos individuais; segundo, porque o compromisso com a fiscalização é deixado de lado, configurando uma espécie de “traição” ao voto popular. O eleitor que confiou seu voto ao vereador para legislar e fiscalizar o executivo vê esse compromisso ser diluído, quando o vereador assume um papel subordinado às diretrizes de um governo que deveria, teoricamente, ser fiscalizado.
Itaipu doa veículo elétrico para o TRE-PR
Além disso, a aceitação de cargos executivos cria um relacionamento de dependência direta entre o vereador e o prefeito, o que pode comprometer a independência da Câmara Municipal como instituição. A presença de vereadores em cargos de secretário pode facilmente significar um enfraquecimento do poder legislativo em sua função de controle. Em vez de se manter na posição de fiscal independente, o vereador-secretário agora responde diretamente ao chefe do executivo, o que torna menos provável o exercício de uma fiscalização firme e independente.
Na prática, essa escolha de atuar no executivo pode ser lida como uma troca de interesses: um espaço no governo em troca de uma ausência na função fiscalizadora. Para muitos, isso representa um desvio da missão do vereador e um desapontamento com os valores de representatividade e ética política. Enquanto a legislação permite essa mudança de papel, a questão permanece: até que ponto é ético abandonar a missão para a qual o vereador foi eleito, em troca de uma posição em que ele passará a responder diretamente ao prefeito?
O eleitor, que depositou sua confiança nas promessas de fiscalização e independência, é o principal prejudicado nesse cenário, pois vê seu voto diluído em uma articulação que serve mais aos interesses políticos internos do que ao compromisso de fiscalização e transparência. O ato de um vereador se tornar secretário, ainda que permitido pela lei, desafia o entendimento do papel legislativo e mina a confiança que a população espera ver representada por seus vereadores eleitos.
Portanto, embora legal, a prática de vereadores assumirem secretarias municipais levanta um alerta quanto aos limites da ética política e reforça a necessidade de um debate sobre o verdadeiro compromisso com a democracia e a representatividade. Afinal, o que vale mais: o compromisso com o eleitor ou com as articulações políticas que privilegiam interesses próprios em detrimento do voto popular?
Fábio Margaridi Ferreira é advogado, matemático, jornalista e gestor com ampla experiência em administração pública e privada.