Estratégia de vigilância de cães reforça combate à doença de Chagas
O ‘melhor amigo do ser humano’ também pode ser um grande aliado da saúde pública. O monitoramento de cães é a base de uma metodologia desenvolvida pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) para detectar áreas com maior risco de transmissão do parasito Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas. Selecionada para compor o projeto Integra Chagas Brasil, do Ministério da Saúde, a estratégia está sendo implantada em cinco cidades do país: Espinosa e Porteirinha, em Minas Gerais; São Luís de Montes Belos, em Goiás; São Desidério, na Bahia; e Iguaracy, em Pernambuco.
A chefe do Laboratório de Biologia de Tripanossomatídeos do IOC/Fiocruz, Samanta Xavier, explica que os cães atuam como sentinelas, sinalizando para a proximidade da transmissão do T. cruzi entre animais silvestres. “Os cães circulam onde as pessoas vivem, ficando restritos ao quintal ou acompanhando seus tutores nas lidas do campo, tendo a chance de explorar o território. A presença de cães infectados, demostrada através da detecção de anticorpos, sinaliza para um ciclo de transmissão do T. cruzi nas áreas utilizadas pelos seres humanos. Por isso, esses animais são bons sentinelas do risco epidemiológico de doença de chagas”, diz Samanta.
O T. cruzi é transmitido por insetos triatomíneos, popularmente chamados de barbeiros. Os cães podem ser infectados da mesma forma que as pessoas, pela via vetorial contaminativa ou oral. Os cães infectados no Brasil ainda não foram apontados como reservatórios do parasito, o que significa que não são considerados como fonte de infecção para o homem.
“Os cães não apresentam, nem transmitem doença de Chagas. Como sentinelas ou repórteres, eles nos ajudam a direcionar os esforços para prevenir casos da doença”, ressalta Samanta.
Para aplicar a metodologia, agentes de combate a endemias das cidades inseridas no projeto Integra Chagas Brasil estão recebendo capacitação ministrada por profissionais do Laboratório de Biologia de Tripanossomatídeos do IOC/Fiocruz, com coordenação das pesquisadoras Samanta Xavier e Ana Maria Jansen.
Nas cinco cidades, as equipes tiveram o primeiro contato com a metodologia durante a ‘Semana de Formação’ do projeto Integra Chagas Brasil, que reuniu diversos cursos para profissionais de saúde e vigilância dos municípios.
O treinamento específico com o tema Vigilância ambiental e controle da doença de Chagas – unidades cão e reservatórios já ocorreu em Porteirinha, Espinosa e São Luís de Montes Belos. De 9 a 18 de dezembro, será a vez de São Desidério. Em janeiro, a capacitação ocorrerá em Iguaracy.
Além do ciclo do T. cruzi e dos princípios da vigilância da transmissão do parasito através de cães, a capacitação aborda atividades práticas para aplicação da estratégia, incluindo planejamento de áreas para monitoramento, registro de informações, coleta de sangue em cães e testes para diagnóstico da infecção. De acordo com Samanta, a definição das áreas é feita com base no diagnóstico ambiental e a proporção de cães testados é estabelecida a partir do censo da população canina de cada município.
Para identificar a infecção, os agentes coletam uma pequena amostra de sangue dos animais e aplicam o Teste Rápido Chagas – Bio-Manguinhos/Fiocruz, que é considerado um teste de triagem para detectar anticorpos contra o T. cruzi. Todas as amostras são enviadas ao Laboratório de Biologia de Tripanossomatídeos do IOC/Fiocruz, no Rio de Janeiro, para confirmação e validação dos resultados através de outra metodologia de detecção de anticorpos, chamada teste Elisa.
A presença de 30% ou mais de cães positvos (ou seja, apresentando anticorpos contra o T. cruzi) é considerada como sinal de alerta, indicando alta transmissão silvestre do parasito. Este cenário indica risco de infecção humana e necessidade ações de vigilância de reservatórios e triatomíneos.
“Nesses casos, voltamos à área e realizamos a investigação do ciclo de transmissão de T. cruzi entre animais silvestres, através de captura e coleta de amostras de pequenos mamíferos e caracterização da paisagem. O objetivo é identificar a origem da infecção dos cães e propor medidas de vigilância específicas para evitar casos humanos”, conta Samanta.
“É importante dizer que a coleta da amostra de sangue não machuca os cães e ajuda a prevenir a doença de Chagas. É uma estratégia de fácil implementação, que pode ser associada com campanhas anuais de vacinação antirrábica e programas de controle da leishmaniose, que já contam com pessoal treinado para manejo e coleta de sangue de cães”, completa a pesquisadora.
Achou um barbeiro?
Em outra frente, o IOC/Fiocruz contribui com a divulgação da plataforma Achou um barbeiro? no projeto Integra Chagas Brasil. Com o objetivo de ajudar a população a reconhecer e lidar corretamente com os vetores, a plataforma faz parte do Portal da Doença de Chagas, da Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz (VPPCB/Fiocruz).
A seção Entregue pessoalmente traz detalhes sobre a forma correta de capturar os insetos e um mapa interativo para localizar um Posto de Informação em Triatomíneos (PIT) para entregar o vetor.
O ‘PITs Maps’ foi desenvolvido pelo Laboratório de Biologia de Tripanossomatídeos do IOC/Fiocruz em parceria com a Plataforma Institucional Biodiversidade e Saúde Silvestre da Fiocruz e o Instituto Militar de Engenharia (IME), com apoio do Programa de Pesquisa Translacional Fio-Chagas.
Na seção Envie uma foto, é possível anexar a imagem do inseto encontrado para avaliação de especialistas do Laboratório Nacional e Internacional de Referência em Taxonomia de Triatomíneos do IOC/Fiocruz. Saiba mais.
Integra Chagas
O Integra Chagas Brasil é um projeto demandado e financiado pelo Ministério da Saúde. A coordenação é do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC).
A iniciativa tem como objetivo ampliar o acesso ao diagnóstico e ao tratamento da doença de Chagas com estratégias de vigilância e atenção à saúde integradas, contemplando ações em vigilância entomológica e de cães; testagem; linha de cuidado; monitoramento e avaliação; engajamento comunitário e saúde na escola.