O Carnaval de Trump e o boicote global às marcas americanas

O Carnaval de Trump e o boicote global às marcas americanas

João Alfredo Lopes Nyegray* e Lorena Nogaroli**

O segundo mandato da administração Trump tem se caracterizado por uma orientação isolacionista, marcada por hostilidade e forte presença midiática. As frequentes oscilações de posição política atraem grande atenção do público, alimentando a apreensão quanto aos desdobramentos futuros. Em apenas dois meses, constata-se a adoção de medidas q  ou ue resultaram na expulsão de milhares de imigrantes de maneira coercitiva e no enfraquecimento das relações com parceiros tradicionais, como os países europeus e a OTAN.

Os fatos que se sucederam enquanto os brasileiros comemoravam o Oscar e pulavam Carnaval podem redefinir o cenário geopolítico mundial. Trump intensificou a agenda isolacionista ao se aproximar de Putin e cortar recursos destinados à defesa da Ucrânia. Além disso, elevou tributos sobre produtos do México, Canadá e China, agravando as tensões comerciais globais. Para piorar, cogita retirar as sanções impostas à Rússia após a invasão da Ucrânia em 2022.

Os reflexos dessas ações vão além dos salões diplomáticos e dos mercados financeiros: afetam diretamente as marcas americanas, historicamente associadas à imagem de um país aberto, inovador e globalizado. Agora, essas corporações enfrentam uma crise reputacional sem precedentes, sendo vinculadas a uma agenda nacionalista que contradiz tanto com os valores do mercado global quanto com os princípios liberais sempre defendidos pelos EUA.

A Europa, tradicional aliada dos Estados Unidos, se vê agora diante de um dilema. O isolacionismo americano e o desprezo de Trump por instituições multilaterais como a OTAN, ONU e a União Europeia, levam consumidores a reconsiderar suas escolhas.

Não é coincidência que a Tesla tenha registrado uma queda drástica nas vendas nos maiores mercados europeus. Na Alemanha, as vendas da montadora americana despencaram 59,5% em janeiro, comparadas ao mesmo mês de 2024. Na França, a queda foi de 63%. No Reino Unido, as vendas da Tesla caíram 12% e, embora esse percentual pareça modesto, ocorreu em um cenário em que as vendas gerais de veículos elétricos no país cresceram 35%. A empresa também relatou declínios de 44% na Suécia e 38% na Noruega, além de uma redução de 42% nos Países Baixos.

Nesses países, consumidores politizados utilizam seu poder de compra como forma de protesto contra o que consideram arrogância e unilateralismo americano. Em um comunicado no Facebook, a Haltbakk Bunkers, principal operadora portuária da Noruega, anunciou no sábado, 1º de março, que deixará imediatamente de fornecer combustível para embarcações da Marinha dos EUA. A decisão foi justificada como resposta ao que a empresa classificou como “o maior show de merda já apresentado ao vivo na TV”, referindo-se ao confronto entre Donald Trump e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky na Casa Branca. Como consequência, submarinos americanos na costa norueguesa precisarão buscar novos fornecedores de combustível.

Esse é apenas um exemplo do movimento de boicote que tomou conta das redes sociais na última semana. Grupos organizados vêm listando produtos e serviços americanos a serem evitados. Embora o impacto dessas ações ainda seja difícil de avaliar, há a expectativa de que o movimento se expanda na Europa, pressionando empresas americanas.

O que antes era um trunfo comercial agora se tornou um fardo para marcas como Apple, Coca-Cola, McDonald’s, Nike e Levi’s. O esforço dessas corporações para se desvincular da política nacional nunca foi tão desafiador, pois valores como inclusão e diversidade colidem com uma administração que os rechaça.

O conceito de soft power, popularizado por Joseph Nye (2004), sustenta que a influência internacional não se dá apenas pela força militar (hard power), mas também pelo carisma, pela cultura e pela legitimidade de um país. No entanto, esse tipo de poder está intimamente ligado à reputação global de um Estado. Em situações nas quais o discurso de um líder político agride ou desvaloriza aliados e parceiros, a credibilidade nacional pode se deteriorar.

O caso da Tesla ilustra essa lógica. A reação dos consumidores evidencia  como políticas governamentais e retórica presidencial podem impactar negativamente o prestígio de uma marca, mesmo que esta não seja diretamente responsável pelas decisões da administração Trump. Os boicotes na Europa demonstram que  consumidores, em um mercado capitalista, podem exercer um papel cada vez mais relevante em questões geopolíticas.

Enquanto governos adotam cautela para evitar retaliações, a sociedade civil não está constrangida pelos mesmos compromissos diplomáticos. Dessa forma, campanhas de boicote a bens e serviços norte-americanos se multiplicam, seja por meio de redes sociais ou de movimentos de consumidores, destacando a força dessas mobilizações na era digital.

O boicote a produtos americanos na Europa e em outros mercados desenvolvidos é um sinal claro de que consumidores não tolerarão políticas que consideram prejudiciais à ordem global. O maior risco para as marcas americanas não é apenas a queda imediata nas vendas, mas a erosão de credibilidade a longo prazo. Se consumidores globais passarem a preferir empresas europeias, asiáticas ou latino-americanas que não estejam associadas a um governo hostil, a reconstrução da reputação será uma tarefa extremamente difícil.

A guerra comercial promovida por Trump não se limita a  tarifas e impostos. Trata-se de uma batalha pela percepção do consumidor global, e as marcas americanas estão no centro desse fogo cruzado. A reputação construída ao longo de décadas pode ser comprometida em poucos anos se essas empresas não encontrarem uma maneira de se dissociar da agenda política de seu país de origem. A sobrevivência de algumas das maiores corporações do mundo dependerá de sua capacidade de se reinventar e de provar que são maiores do que a política de curto prazo que as envolve.

*João Alfredo Lopes Nyegray é mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Professor de Negócios Internacionais da PUCPR e de Relações Internacionais da FAE.

** Lorena Nogaroli é gestora de reputação, jornalista, especializada em Marketing, Serviços e Gestão de Riscos e Crises. Fundadora da Central Press, dirige o escritório da agência de reputação em Londres.

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Central Press | Assessoria de Imprensa e Comunicação

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