Comida na mesa? O mérito é da agricultura familiar, não do agronegócio

A mobilização recente dos setores do agronegócio contra medidas do governo federal para baratear os alimentos reacende uma discussão histórica: o discurso do “mercado livre” defendido por muitos no agro é aplicado de forma seletiva? Embora algumas críticas sejam feitas à intervenção estatal na economia, o setor já recorreu ao governo em diversas vezes para proteger seus interesses. Nos governos Lula 1 e 2, por exemplo, os produtores rurais se organizaram para garantir políticas como o preço mínimo dos produtos agrícolas, uma medida que depende diretamente da ação estatal para garantir lucros. Hoje, porém, parte do agronegócio resiste a iniciativas que equilibrem seus ganhos com o acesso da população a comida mais barata.
O agronegócio é, sem dúvida, um pilar fundamental da economia brasileira. Responsável por commodities como soja, milho, carne bovina e cana-de-açúcar, o setor desempenha um papel crucial no impulso do PIB e na balança comercial do país. Em 2024, por exemplo, o Brasil exportou cerca de 69 milhões de toneladas de soja para a China, principal destino do produto, gerando uma receita que, em março de 2025, com o dólar a aproximadamente R$ 5,80, equivale a cerca de R$ 174 bilhões. Esses números impressionantes destacam a força do agronegócio brasileiro no mercado global. No entanto, esses produtos têm impacto limitado na mesa dos brasileiros, sendo majoritariamente destinados à exportação, à produção de ração animal, biocombustíveis e à indústria.
Por outro lado, a agricultura familiar, muitas vezes ofuscada pelo gigantismo do agronegócio, é a verdadeira responsável por abastecer o país com alimentos essenciais ao dia a dia. Segundo o Censo Agropecuário de 2017 do IBGE, entre 70% e 80% dos alimentos consumidos internamente são provenientes de pequenos produtores. Isso inclui, por exemplo, 70% da produção de feijão, 87% da mandioca, 60% do leite, além de contribuições em arroz, hortaliças e ovos. Em 2024, com a safra agrícola ainda em andamento, as estimativas preliminares do IBGE (Levantamento Sistemático da Produção Agrícola) sugerem que a agricultura familiar mantém sua relevância, mesmo diante de desafios como mudanças climáticas e aumento dos custos de produção. Assim, enquanto o agronegócio projeta o Brasil no cenário internacional, é uma agricultura familiar que sustenta a segurança alimentar da população.
Definida pela Lei nº 11.326/2006, a agricultura familiar abrange propriedades de até quatro módulos fiscais, geridas com mão de obra familiar e focadas na diversificação, contrastando com a monocultura em larga escala do agronegócio. Enquanto o agro investe em tecnologia e exportação, os pequenos produtores priorizam a subsistência e o mercado local, com menor dependência de insumos industriais. Essa diferença levanta uma questão: se o agro é um negócio sujeito às leis da oferta e da procura, com altos e baixos, por que se mobiliza tanto para que o governo interfira quando os lucros estão em risco?
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O agronegócio não é estranho aos benefícios estatais. Subsídios, crédito facilitado e incentivos fiscais têm sustentado o agronegócio por décadas. Quando a situação aperta, o povo também paga a conta, arcando com o custo desses apoios. Por outro lado, preços melhores de comida na mesa de todos não significam prejuízo ao agro, mas um ajuste para que lucros exorbitantes de pouco não sobrecarreguem o bolso de muitos. O debate expõe uma tensão central: de um lado, as opções econômicas dos grandes produtores; por outro lado, o direito à segurança alimentar de milhões de brasileiros.
A solução exige equilíbrio. O agronegócio e a agricultura familiar têm papéis complementares, mas ignorar a contribuição dos pequenos produtores é distorcer a realidade. Enquanto o governo busca caminhos, o agro enfrenta um dilema: prosperar aos custos da sociedade ou compartilhar o sucesso que, em parte, também é construído com recursos públicos.