Arma para o cidadão de bem: garantia de segurança ou risco para a família?

Por Gilmar Ferreira
O debate sobre armas de fogo no Brasil segue preso a slogans e promessas simplistas, ignorando décadas de dados, fatos e sangue derramado. Ainda hoje, há quem acredite que armar o cidadão comum é a resposta mágica para a criminalidade. Mas se armas fossem sinônimo de proteção, bandidos não morreriam. Policiais, que vivem armados e são treinados para o combate, também não seriam alvos fáceis. A realidade é mais dura: tanto criminosos quanto agentes da lei morrem, e morrem armados.
Prova disso é a atuação violenta do chamado Novo Cangaço, que, a partir dos anos 2000, aterrorizou cidades brasileiras com ações coordenadas, uso pesado de armamento e táticas de guerra. Em abril de 2022, por exemplo, criminosos fortemente armados invadiram a cidade de Guarapuava, no Paraná, para assaltar uma transportadora de valores. Para executar o plano, cercaram o batalhão da Polícia Militar, atacaram com explosivos e colocaram moradores sob a mira de fuzis. Toda a cidade ficou acuada, e mesmo os policiais, armados e treinados, nada puderam fazer diante da brutalidade e da superioridade bélica do grupo.
Sobreviventes em desencarnes coletivos
Esse tipo de caso reforça o que os números já gritam há muito tempo. O armamento individual, por si só, não representa segurança. Durante as décadas de 1970 a 1990, o Brasil viveu um cenário de facilidade extrema para comprar armas. Bastava querer. Anúncios em jornais, lojas vendendo armamento sem grande burocracia e uma crença popular de que ter uma arma em casa protege a família compunham o imaginário da época.
Mas o que se viu foi o contrário. Nesse período, as taxas de homicídio explodiram. Segundo dados do Scielo, as mortes por armas de fogo passaram de 50% dos homicídios em 1991 para quase 70% em 2000. O país se armava e morria armado. A violência se alastrava junto ao crescimento das facções criminosas e à urbanização caótica que tomava conta das periferias.
Foi esse cenário que levou à criação do Estatuto do Desarmamento, em 2003. Não se tratava de uma política simbólica, mas de uma resposta concreta a um problema evidente. A nova lei endureceu as regras para a posse e o porte de armas e reduziu drasticamente o número de civis armados nas ruas. O impacto foi direto. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), enquanto entre 1995 e 2003 os homicídios cresceram mais de 20%, entre 2003 e 2012 o crescimento caiu para menos de 1%. Estima-se que 121 mil vidas foram salvas nesse intervalo. É um número impossível de ignorar.
Mesmo com essa evidência, o discurso do armamento persiste. Parte da população ainda acredita que o problema da violência se resolve com mais armas nas mãos do cidadão de bem. É um raciocínio perigoso, porque desconsidera a estrutura do crime no Brasil. Facções armadas com fuzis, corrupção em fronteiras, tráfico de armas e drogas e um Estado frequentemente ausente são os verdadeiros combustíveis da insegurança. A arma legal na mão de um civil, nesse contexto, tem pouco ou nenhum impacto e pode até piorar a situação.
A chegada de Ana Nerry eleva o nível do debate na Jovem Pan
A verdade é que segurança pública não se constrói com revólveres nas gavetas, mas com políticas sólidas, inteligência policial, controle de fronteiras, educação e investimento social. É claro que o Estatuto do Desarmamento não resolveu tudo. O Brasil continua sendo um país violento, com índices de homicídio alarmantes. Mas é inegável que a contenção do armamento legal foi um passo essencial para estancar uma trajetória de tragédia anunciada.
PM recupera Hilux furtada após tentativa de homicídio na zona rural de Mandaguaçu
Não se trata de ideologia, mas de fatos. E os fatos mostram que mais armas não significam mais segurança. Se fosse assim, muitos criminosos e os policiais que perderam a vida, justamente os mais armados entre nós, estariam vivos para contar essa história.
Fontes consultadas:
- Diário do Nordeste. “Entenda como o acesso a armas de fogo voltou ao centro do debate político no Brasil”. Disponível em: https://www.diariodonordeste.verdesmares.com.br/politica/entenda-como-o-acesso-a-armas-de-fogo-voltou-ao-centro-do-debate-politico-no-brasil-1.3073315. Acesso em: 21 jun. 2025.
- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). “Armas de Fogo, Crimes e o Impacto do Estatuto do Desarmamento”. Disponível em: https://portalantigo.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/150825_cerqueira_armas_e_crimes.pdf. Acesso em: 21 jun. 2025.
- Scielo Brasil. “Mortalidade por homicídios no Brasil na década de 90: o papel das armas de fogo”. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rsp/a/hbRLRNhk73yYk4WBvSR57Cc/?format=pdf. Acesso em: 21 jun. 2025.
- Senado Federal. “Armamento da população foi incentivado na Colônia e no Império e só virou preocupação nos anos 1990”. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/armamento-da-populacao-foi-incentivado-na-colonia-e-no-imperio-e-so-virou-preocupacao-nos-anos-1990. Acesso em: 21 jun. 2025.
- G1 Notícias. “Criminosos cercam quartel da PM e atacam transportadora de valores em Guarapuava, PR”. Publicado em: 18 abr. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/pr. Acesso em: 21 jun. 2025.