O Valor do Rito Processual no Julgamento da Tentativa de Golpe de 8 de Janeiro

Por Fúlvio B. G. de Castro
Professor de Sociologia e Bacharel em Direito
O julgamento dos responsáveis pela tentativa de ruptura institucional ocorrida em 8 de janeiro de 2023 representa um divisor de águas na trajetória democrática do Brasil. Mais do que uma resposta penal a atos de subversão, trata-se de um episódio simbólico de afirmação dos princípios republicanos, do império da lei e da integridade da cidadania. Justamente por isso, exige condução rigorosa, com absoluto respeito às garantias processuais — sem precipitação, sem contaminação ideológica e sem desvio da finalidade essencial da Justiça.
Em uma sociedade democrática, o sistema judicial não pode ser instrumentalizado por disputas de poder. Caso contrário, o processo perde legitimidade e transforma-se em mera ferramenta política. A Justiça só se realiza quando pautada por fundamentos jurídicos, alicerçada na legalidade e comprometida com os direitos fundamentais.
Nesse cenário, o tempo do processo não pode ser ditado por estratégias eleitorais ou interesses imediatistas. Sua duração deve corresponder ao tempo necessário para garantir o pleno exercício da defesa, a análise cuidadosa das provas, o processamento de eventuais incidentes e, sobretudo, o respeito ao contraditório. Qualquer antecipação artificial coloca em risco a legitimidade do veredito e dilui o significado histórico do julgamento.
A operação Lava Jato oferece um exemplo eloquente dos perigos dessa aceleração indevida. Desde seu início, foi alvo de críticas severas por parte de juristas justamente pela pressa com que alguns julgamentos foram conduzidos. No caso do ex-presidente Lula, o julgamento no TRF-4 foi tão célere que o revisor apresentou voto em apenas seis dias, tempo incompatível com a leitura e análise criteriosa de milhares de páginas processuais. Fica evidente que o objetivo era interferir no pleito de 2018 — uma deformação grave da função jurisdicional.
Repetir esse tipo de conduta no julgamento dos envolvidos no 8 de janeiro comprometeria não apenas a legitimidade do processo, mas sua função pedagógica. A tentativa de golpe não é um delito qualquer. Trata-se de um ataque frontal à ordem democrática e aos direitos fundamentais de todos os brasileiros. Ao tentar suprimir o Estado de Direito e instaurar um regime autoritário, seus autores buscavam a despersonalização jurídica e política da sociedade — a negação dos direitos que garantem nossa liberdade e proteção frente ao poder estatal.
Dizer “não” a essa violência política é um ato de Justiça. Mas esse repúdio precisa ocorrer com responsabilidade, dentro dos marcos da Constituição, dos tratados de direitos humanos e do devido processo legal. A resposta do Estado deve ser firme, mas civilizada. Decidida, porém equilibrada.
Este julgamento não é apenas sobre punir. Ele também educa, adverte, e fortalece os pilares da democracia. Seu impacto ultrapassa a conjuntura política e a eleição de 2026. Ele representa uma oportunidade ímpar de afirmar que o Brasil não tolera atentados contra suas instituições e que a democracia não está à venda nem à mercê de aventuras autoritárias.