Opinião – Luz, câmera, aprovação!

Opinião – Luz, câmera, aprovação!

Rodrigo Wieler*

Imagine uma sala escura, com a luz da grande tela iluminando rostos atentos. Agora, substitua o projetor por páginas: os livros exigidos nos vestibulares da Fuvest e da Unicamp neste ano são verdadeiros roteiros prontos para ganhar vida no cinema. As Meninas, de Lygia Fagundes Telles, renderia um drama psicológico com atuações intensas e iluminação expressionista. Dica de leitura: repare como os diálogos revelam mais do que dizem — como nos grandes roteiros de filmes cult. Já Balada de Amor ao Vento, de Paulina Chiziane, poderia se transformar em um épico africano, com trilha sonora pulsante e personagens que desafiam o patriarcado. Leia com sensibilidade às vozes femininas — elas são a verdadeira força da narrativa.

A delicadeza de A Visão das Plantas, da portuguesa Djaimilia Pereira de Almeida, pede uma leitura lenta, quase contemplativa. Imagine a câmera parada, como numa cena do diretor Stanley Kubrick em 2001: Uma Odisseia no Espaço, enquanto você mergulha nas memórias do protagonista. Em contraste, Caminho de Pedras, de Rachel de Queiroz, tem ritmo seco, direto — leia como quem assiste a um faroeste daqueles em que cada silêncio é um tiro. Há ainda Memórias de Martha, de Julia Lopes de Almeida, que se revela como um puro drama de época: note os detalhes sociais e nos gestos contidos, analisando os cenários e figurinos com o olhar de quem vê um filme clássico.

Ei, e o que é isso que estou ouvindo ali? Opúsculo Humanitário, de Nísia Floresta, e Nebulosas, de Narcisa Amália, são ensaios e poemas que pedem uma leitura com fones de ouvido — como se fossem trilhas sonoras indie de um curta experimental. Se puder, leia em voz alta: o som das palavras faz parte da experiência na qual você vai mergulhar. Já O Cristo Cigano, de Sophia de Mello Breyner Andresen, é pura imagem poética — leia como quem assiste a um filme mudo, em que cada metáfora é um plano sem cortes que brilha como a luz do crepúsculo.

Falando em ouvir, Canção para Ninar Menino Grande é um romance que sussurra e grita ao mesmo tempo. Denso e provocador, convida à imersão em sua estrutura polifônica e à forma como, diferentemente de outras obras de Conceição Evaristo, o foco recai sobre um homem negro — Fio Jasmim — cuja história é contada por mulheres que, com voz, desejo e sofrimento, também reescrevem suas próprias vivências.

E o Oscar vai para… a Fuvest, que escolheu só mulheres para a sua lista. Percebeu? Claro que isso também pode virar questão, comparando, inclusive, uma obra com a outra. Portanto, olho na tela — ou melhor: nas páginas e nas autoras!

Na tela da Unicamp, vários sucessos também aguardam você. Casa Velha é um drama de interiores com a marca de Machado de Assis: leia com igual atenção o dito e o não dito, como se cada frase guardasse segredos de bastidores. Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá, de Lima Barreto, poderia facilmente virar um filme político de estética documental — repare especialmente nos trechos que soam como falas inflamadas de um personagem lúcido demais para seu tempo. Ailton Krenak, primeiro indígena eleito para a Academia Brasileira de Letras — detalhe que também pode ser cobrado na prova —, contribui com A Vida Não é Útil, um verdadeiro manifesto visual em que tempo e silêncio também são narradores. Leia como quem participa de uma instalação de arte — não só com os olhos, mas com o corpo inteiro.

Prosas Seguidas de Odes Mínimas, de José Paulo Paes, são vinhetas poéticas — leia-as intercaladas com os outros livros, um texto de cada vez, como se fossem cenas de um curta-metragem. Já os contos de No Seu Pescoço, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, e de Olhos d’Água, de Conceição Evaristo, mostram como as autoras dão voz a personagens silenciados pela sociedade. São obras que pedem leitura com empatia: imagine a câmera colada no rosto dos personagens, captando cada mínimo detalhe de expressão.

E se você é fã das faixas alternativas, vai curtir Morangos Mofados, de Caio Fernando Abreu — quase um filme underground. Leia o fluxo de consciência com cuidado, e observe como Caio mistura realidade e delírio, muitas vezes sem recorrer à pontuação tradicional. Note como desejo, medo, solidão e busca por liberdade se entrelaçam nos contos ambientados em um Brasil bastante repressivo. Você também vai apreciar Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. É montagem pura — leia como quem vê um filme de Tim Burton, no qual lógica e ordem são editadas com poesia, tratando de temas como crescimento e identidade, mas com regras do mundo real viradas de cabeça para baixo.

E para quem prefere as faixas principais, as canções escolhidas do grande poeta e fundador da escola da Estação Primeira de Mangueira, Cartola, formam um musical melancólico: leia ouvindo as músicas, deixando que cada letra projete a cena na sua mente.

Sim, é claro que esses livros são leitura obrigatória para o vestibular. Mas são muito mais do que isso: convites à direção, à atuação, à montagem da imaginação. E, como no bom cinema, o que permanece depois do fim é aquilo que não se explica, mas se sente. Quem lê com profundidade, interpreta com sensibilidade e mergulha nessas narrativas já garantiu o ingresso para a aprovação. Prepare o discurso, porque a próxima cerimônia de premiação pode ter o seu nome na lista.

*Rodrigo Wieler é professor de Literatura e de Arte no Curso e no Colégio Positivo e assessor pedagógico no Centro de Inovação Pedagógica, Pesquisa e Desenvolvimento (CIPP) dos colégios da Rede Positivo.

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