Mortes por Desespero: a crise silenciosa que reduz a expectativa de vida nos Estados Unidos

Mortes por Desespero: a crise silenciosa que reduz a expectativa de vida nos Estados Unidos

Por Fúlvio B. G. de Castro
Professor de Sociologia e Bacharel em Direito.

Os Estados Unidos estão vivendo um fenômeno inédito no mundo moderno: a queda contínua da expectativa de vida ao nascer. Esse movimento, que começou antes da pandemia, se aprofundou durante a crise sanitária e persiste ainda hoje, foi identificado pelo economista Angus Deaton — Prêmio Nobel de Economia em 2015 — em seus estudos sobre as chamadas “Deaths of Despair” (Mortes por Desespero).
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Que fase, diria Milton Leite!
A queda na expectativa de vida ocorre de forma mais acentuada entre a população masculina adulta. Um dado alarmante: atualmente, um jovem americano de 18 anos tem probabilidade maior de morrer antes dos 50 do que em países historicamente marcados por baixa expectativa de vida. O que explica isso? As mortes por desespero — suicídio, alcoolismo e, sobretudo, overdose de opioides.
Segundo o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), em 2022 mais de 80 mil americanos morreram por overdose de opioides, número que supera, de longe, as mortes anuais por homicídio no Brasil, país frequentemente associado à violência urbana. Para efeito de comparação, em 2022 o Brasil registrou cerca de 47 mil homicídios, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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Desigualdade, opioides e desespero

O fenômeno das mortes por desespero não ocorre em escala semelhante na Europa. Pesquisadores apontam como uma das razões a diferença nos sistemas de proteção social. Nos Estados Unidos, a ausência de saúde pública universal e de previdência robusta cria uma sensação de insegurança permanente.
Essa vulnerabilidade econômica contrasta com a posição objetiva dos americanos no cenário global. Um cidadão de renda mediana nos EUA está entre os 5% mais ricos do planeta, segundo dados do Banco Mundial. Ainda assim, dentro da lógica competitiva da sociedade americana, ele é frequentemente visto como um “perdedor” por não alcançar os padrões de sucesso impostos pelo país.
Esse descompasso entre condição material e percepção social alimenta um ciclo de frustração e ressentimento. Estudos publicados na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) associam diretamente a escalada das mortes por desespero ao colapso de comunidades industriais, ao desemprego estrutural e ao declínio das redes de apoio social.
Política e ressentimento
Não por acaso, esse segmento social desesperançado — em especial homens brancos de meia-idade — tornou-se uma das bases mais fiéis do trumpismo. Sem horizonte, desacreditados das instituições e do chamado “sonho americano”, muitos canalizam sua raiva para a política, apoiando discursos de ruptura e alimentando uma postura de confronto contra o sistema.
Uma sociedade em erosão?
O que antes era motivo de orgulho nacional — o aumento contínuo da expectativa de vida — se converte em sinal de decadência social. A chamada sociedade de bem-estar que os EUA construíram no pós-guerra dá lugar a uma população vulnerável, medicada, frustrada e sem perspectiva.
Ao mesmo tempo em que se situam no topo da pirâmide global de renda, muitos americanos sentem-se derrotados dentro de seu próprio país. Esse abismo entre a realidade material e a percepção subjetiva aponta para um dilema profundo: que tipo de sociedade é aquela em que os que estão entre os mais ricos do mundo se percebem como miseráveis?
O fenômeno das Mortes por Desespero escancara uma crise que vai além dos números: é uma crise de sentido, de identidade e de coesão social. Uma sociedade que, em meio à abundância, vê parte de sua população sucumbir ao vazio existencial, pode estar, como sugere o economista Angus Deaton, à beira de uma extinção simbólica de seu próprio projeto civilizatório.

Redação O Diário de Maringá

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