Pacientes recorrem ao uso do FGTS para custear FIV

Pacientes recorrem ao uso do FGTS para custear FIV

Pacientes que buscam realizar o procedimento de fertilização in vitro (FIV) estão recorrendo à liberação do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para custear os custos do tratamento. Embora a legislação vigente não preveja expressamente essa hipótese, decisões judiciais recentes têm autorizado o saque em casos de infertilidade comprovada.

Tribunais regionais federais têm autorizado pedidos de liberação do FGTS para custear a FIV em situações de infertilidade comprovada. Por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3) confirmou, por unanimidade, que o saque poderia ser realizado para uma paciente com baixa reserva ovariana, considerando que a negativa violava os direitos constitucionais.

Além disso, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 55/2023 para regulamentar a matéria. O PL foi proposto após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) barrar a cobertura obrigatória por planos de saúde no Tema 1067, julgado em 2022.

Atualmente, o saque do FGTS para o custeio da FIV depende de ordem judicial. "Como ainda não consta expressamente na lei, a autorização para saque tem sido pela via judicial", explica o advogado especialista em Direito da Saúde em São Paulo, Elton Fernandes.

Saque judicial do FGTS

O trabalhador pode solicitar à Caixa Econômica Federal a liberação do saldo do FGTS para custear tratamentos médicos. Para isso, é necessário apresentar laudo que comprove o diagnóstico e a indicação do procedimento, além de orçamentos, documentos pessoais e comprovante de vínculo empregatício.

A Lei nº 8.036/1990, que regula o FGTS, estabelece no artigo 20 as situações em que o saque é permitido, como demissão sem justa causa, aposentadoria, aquisição da casa própria, calamidade pública ou doenças graves listadas. Porém, a infertilidade e as técnicas de reprodução assistida, como a fertilização in vitro, não estão entre essas hipóteses.

Como a legislação não prevê expressamente o uso do fundo para a FIV, a Caixa costuma negar os pedidos administrativos. Nesses casos, o trabalhador pode recorrer à Justiça para tentar liberar o valor.

De acordo com o advogado especialista em Direito da Saúde Elton Fernandes, a jurisprudência tem reconhecido que o rol do artigo 20 não é taxativo, admitindo a interpretação extensiva quando envolvidos princípios constitucionais como o direito à saúde, à dignidade da pessoa humana e ao planejamento familiar. "A infertilidade é uma questão de saúde, mas, mais do que isso, o direito ao planejamento familiar é uma garantia constitucional. O FGTS tem sido usado para suprir uma lacuna do próprio Estado", completa o advogado.

Projeto de lei em tramitação

Para dar segurança jurídica à prática, tramita na Câmara dos Deputados o PL 55/23, de autoria do deputado Fernando Marangoni (União-SP). O projeto prevê a inclusão de tratamentos de reprodução assistida, como a fertilização in vitro, entre as hipóteses de saque do FGTS.

A proposta justifica que o FGTS é um recurso do trabalhador e que ampliar suas possibilidades de saque — especialmente em saúde ou de tratamentos — é compatível com o objetivo social do fundo. Até o momento, não há data confirmada para aprovação ou sanção da lei.

Custo do procedimento

O custo da fertilização in vitro no Brasil varia conforme a clínica, o número de ciclos e os procedimentos complementares. Em média, o valor pode chegar a R$ 30 mil por tentativa, incluindo etapas como estimulação ovariana, coleta de óvulos, fertilização em laboratório e transferência embrionária.

Segundo o advogado Elton Fernandes, a liberação judicial do FGTS para o pagamento da FIV tem sido admitida quando há comprovação médica de infertilidade, para casais homoafetivos ou em situações de gestação em substituição, permitindo que parte dos custos do tratamento seja coberta mesmo sem previsão expressa na legislação. "A Constituição não diferencia pessoas. O que mais importa é a indicação médica expressa, justificando a necessidade por questões de saúde ou, então, o contexto social", esclarece.

Falta de cobertura pelos planos de saúde

Desde a decisão do STJ no tema 1067, ficou definido que as operadoras de planos de saúde só devem custear o procedimento se houver previsão expressa em contrato. O tema 1067 foi julgado em fevereiro de 2022 e teve como objetivo uniformizar o entendimento da Justiça sobre a cobertura da fertilização in vitro.

A decisão determinou que, "salvo disposição contratual expressa, os planos de saúde não são obrigados a custear o tratamento médico de fertilização in vitro". Isso significa que, na ausência de cláusula específica, a negativa do plano de saúde pode ser considerada legítima.

Esse entendimento tem sido seguido por tribunais em todo o país, limitando a cobertura da fertilização in vitro apenas aos contratos que incluam a técnica de reprodução assistida. O advogado especialista em Direito da Saúde em São Paulo, Elton Fernandes, afirma que há situações excepcionais em que a Justiça admite o custeio de parte do procedimento, como nos casos de mulheres em tratamento contra o câncer que precisam preservar a fertilidade.

"A Justiça tem admitido a obrigação de custeio pelo plano de saúde apenas do congelamento de óvulos ou espermatozoides em caso de tratamento médico, mas não da FIV em si. Para analisar essa possibilidade, é imprescindível que o advogado estude o contrato do plano de saúde", completa o especialista.

Acesso pelo SUS

O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza fertilização in vitro em hospitais credenciados, com vagas limitadas e critérios específicos, como idade máxima da mulher e comprovação da infertilidade.

O atendimento inclui avaliação médica, exames laboratoriais, procedimentos cirúrgicos e acompanhamento clínico. Os medicamentos para estimulação ovariana, porém, nem sempre estão incluídos, cabendo ao paciente custeá-los em alguns casos.

Elton Fernandes afirma que, para quem não pode arcar com os custos privados, o SUS representa uma alternativa viável, e o uso do FGTS pode ser considerado para complementar despesas não cobertas pelo sistema público. "O ideal é que houvesse planejamento de política pública de amplo alcance para ajudar as famílias a garantirem o direito ao planejamento familiar. Na ausência desse cenário, o uso do FGTS é uma importante ferramenta de auxílio às famílias", conclui o advogado.

DINO