A diferença entre segurança pública e vingança

A diferença entre segurança pública e vingança

Vivemos tempos em que a dor das vítimas e a sensação de insegurança ampliam vozes por respostas rápidas e duras. É compreensível: uma criança roubada da rotina, uma família que chora a perda de um ente querido, o comerciante que fecha a porta com medo. Mas é precisamente nessa ferida aberta que mora o risco de confundir segurança pública com vingança, duas realidades que se parecem na fúria momentânea, mas que caminham para destinos opostos.

Segurança pública é Estado. Segurança pública é garantir que todas as pessoas, vítimas e acusados, tenham seus direitos básicos preservados enquanto a sociedade busca a verdade e a paz social. É investir em polícia bem treinada, em investigação competente, em inteligência, em políticas sociais e em prevenção. É criar instituições capazes de responder ao crime sem sucumbir ao arbítrio.

Vingança, por outro lado, é emoção. Vingança substitui a razão pelo impulso; substitui provas por boatos; erige sentenças em praça pública sem devido processo. Quando a vingança se transforma em política, abre-se um caminho perigoso: o do Estado que transgride o próprio sistema legal. Não se trata de ser “bonzinho” com quem comete crimes, trata-se de preservar um princípio central para qualquer sociedade democrática: ninguém pode ser privado de sua liberdade ou da vida sem o devido processo legal.

Dizer que a polícia deve “matar” para resolver o problema parece, à primeira vista, uma solução “eficiente”. Mas é uma eficiência aparente. Se aceitarmos que o braço armado do Estado aja como carrasco, estaremos destruindo o que resta do Estado de Direito. Não precisaremos mais de juízes, promotores, defensores, porque o tribunal será a bala. E, quando isso acontece, quem garante que não haverá erros? Quantos inocentes serão sacrificados? Quantos crimes não serão encobertos por execuções sumárias? Quem responderá por isso? O ciclo de violência se amplia, não se interrompe.

As investigações em andamento da Polícia Civil revelaram que o ex-policial do Bope Ronny Pessanha negociava treinamentos táticos com traficantes do Comando Vermelho, na zona oeste do Rio de Janeiro. Segundo apurações da Delegacia de Roubos e Furtos (DRF), o ex-policial cobrava até R$ 1,5 mil por hora para ensinar técnicas de tiro e estratégias de enfrentamento. Esse caso evidencia como a confusão entre força e impunidade pode corroer as bases da segurança pública. Quando quem deveria proteger o cidadão se coloca a serviço do crime, o problema deixa de ser apenas de violência urbana e passa a ser de desmoralização institucional.

Além do lado moral e jurídico, há um lado prático: repressão descontrolada não reduz criminalidade a longo prazo. Pode até causar picos de sensação de ordem, mas corrói a confiança da população nas instituições. E sem confiança não há denúncia, não há colaboração comunitária, não há investigação eficiente. O resultado é uma justiça frágil, seletiva e vulnerável à corrupção.

Defender que a polícia prenda, e que a polícia seja punida quando age fora da lei, não é defender bandido. É defender a lei. É defender a segurança de todos, inclusive das vítimas. Prisão justa, investigação séria e julgamento adequado são instrumentos que protegem a sociedade sem açambarcar direitos. Quem pensa o contrário está optando por uma resposta imediatista que, no fim, nos deixa todos mais vulneráveis.

O que precisamos, então, é de políticas públicas que combinem firmeza com responsabilidade:

  • Polícia treinada em técnicas de contenção e investigação, não apenas em repressão.
  • Controle externo e transparência para investigar abusos e garantir responsabilidade.
  • Investimento em inteligência e tecnologia para desarticular organizações criminosas.
  • Programas de prevenção, como educação, emprego e urbanismo, que atacam as causas do crime.
  • Sistema judiciário ágil e com recursos, defensoria pública forte e promotores bem formados.

Segurança não é sinônimo de brutalidade, é sinônimo de eficácia legítima. Vingança produz medo, e medo não é sinônimo de justiça, é sintoma de barbárie. Defender o Estado de Direito é, paradoxalmente, o caminho mais seguro para que a sociedade duramente atingida recupere a paz e a confiança.

A tarefa é coletiva. Jornalistas, juristas, políticos, operadores de segurança e cidadãos precisam dialogar com coragem e sem simplificações. Exigir prisão para quem comete crimes é justo; desejar a arbitrariedade é aceitar a degradação de todos nós. Que a reação à violência não seja ela própria uma nova forma de violência. Que a nossa resposta seja firme, técnica e humana, porque só assim construiremos uma segurança que valha para todos.

Redação O Diário de Maringá

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