O caso dos Arautos do Evangelho

O caso dos Arautos do Evangelho

Andrea Gagliarducci, um dos mais reconhecidos vaticanistas da atualidade e especialista na diplomacia vaticana, traz a lume para a opinião pública um livro publicado e organizado pelo canonista Dr. José Manuel Jiménez Aleixandre e pela Ir. Juliane Vasconcelos Almeida Campos, doutora em Filosofia, cujo título é “O Comissariado dos Arautos do Evangelho: Crônica dos fatos 2017-2025, punidos sem diálogo, sem provas, sem defesa”.

O caso dos Arautos do Evangelho 1

Em uma breve resenha, ele repassa alguns pontos salientes da intervenção do Dicastério dirigida pelo Cardeal Dom João Braz de Aviz nesta que é uma das associações “mais florescentes” da atualidade.

Na visão aguda deste analista, é importante trazer ao conhecimento público o caso, porque é um bom exemplo de como a ideologia quando colocada por cima da objetividade dos fatos pode trazer graves danos não só para a instituição implicada, mas para a própria Igreja. O Vaticanista deixa entender que há ainda contraposições inúteis que ferem a unidade da Igreja.

Gagliarducci se cinge rigorosamente aos fatos: 1) como se pode comprovar, a visita apostólica teve parecer favorável aos Arautos e mesmo assim se empreendeu o comissariado; 2) é notória a animosidade de Cardeal Braz de Aviz desde os tempos de bispo em Ponta Grossa no Brasil (o livro traz detalhes); 3) há vasto apêndice documental que comprova os graves e injustos prejuízos morais, financeiros e espirituais sofridos pela instituição; 4) os Arautos se encontram num processo kafkiano, do qual não sabem sequer do que se defendem perante o Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica.

É verdade que mais de 30 processos foram abertos contra a instituição. Contudo, após leitura desapaixonada do robusto aparato documental elaborado pelo próprio comissariado e encontrado no livro, é possível perceber a sua artificiosidade: foram arquitetados – com ajuda, como comprova o livro, até de certos eclesiásticos – para justamente criar o que Gagliarducci chama de “estrondo midiático”. Permito-me acrescentar que há informações de que agentes têm tentado influenciar negativamente o Papa sobre este assunto, na tentativa de induzi-lo ao equívoco quanto à veracidade dos fatos. O ilustre vaticanista menciona a questão dos menores e dos supostos exorcismos. Seja como for, reforça ele reiteradamente, todos os procedimentos resultaram favoráveis aos Arautos do Evangelho.

Não obstante tudo isso, todo o processo vocacional dos Arautos está congelado pelo dicastério até os presentes dados: não é possível receber novos membros e, mesmo sem qualquer impedimento canônico, não há ordenações diaconais e sacerdotais desde 2019, privando a Igreja de pelo menos uma centena de novos presbíteros. Quem, afinal, são as vítimas?

Diante deste panorama, o vaticanista se pergunta como o Papa Leão XIV responderá a este caso importante para a Igreja, principalmente no Brasil. Os seus gestos de busca pela justiça e pela verdade são até agora auspiciosos. Só falta agora confirmar os seus irmãos (cf. Lc 22, 32).

Introdução por Rafael Tavares

O caso dos Arautos do Evangelho

(Andrea Gagliarducci) Entre a herança do pontificado do Papa Francisco, há também uma questão que envolve em suspensão e que prevê uma intervenção adiada sine die por acusações nunca realmente comprovadas, mesmo nos casos em que os processos civis instaurados (30 no total) sempre terminaram com o arquivamento ou a absolvição das pessoas envolvidas. Este caso é relatado em um livro detalhado, composto por um terço de documentos originais, chamado O comissariado dos Arautos do Evangelhocronologia dos fatos 2017-2025, lançado recentemente em italiano [n.r. o original é português e há também tradução para o espanhol]. Escrito por José Manuel Jiménez Aleixandre e Irmã Juliane Vasconcelos Almeida Campos, ambos dos Arautos do Evangelho, o livro detalha em mais de setecentas páginas toda a história dos Arautos do Evangelho, a partir da decisão de seu comissariamento em 2019, após uma visita apostólica iniciada em 2017.

A visita apostólica e, posteriormente, o comissariado, afetaram uma das realidades mais prósperas das congregações religiosas, com obras em 78 países e uma vocação para trazer cultura e criar uma civilização do amor que agradou a João Paulo II, tanto que os Arautos foram a primeira associação de religião erigida pela Sé no novo milênio.

Por que falar do caso dos Arautos do Evangelho hoje?

Porque, em primeiro lugar, o caso dos Arautos parece representativo de vários casos ocorridos durante o pontificado do Papa Francisco. Num dos últimos casos, o do Sodalitium Christianae Vitae viu a supressão da associação por parte do Papa Francisco no leito de morte – mas já em 2024, o cardeal Carlos Castillo Mattasoglio, arcebispo de Lima, escreveu um artigo no jornal espanhol El País para pedir a sua supressão.

O caso do Sodalitium mostrou uma inversão na praxe da Santa Sé, porque mesmo quando ocorreram casos graves de abuso por parte dos fundadores – veja-se o caso Maciel e os Legionários de Cristo – a escolha foi sempre a de reformar a congregação e manter os bons frutos.

Mas o caso do Sodalitium também relata uma situação que, na América Latina, se tornou polarizada a tal ponto que é a distinção do bem e do mal, da ideologia e da realidade, e onde erros e pecados são misturados de uma forma que leva todas as decisões difíceis a serem políticas e a concretizar a luta entre progressistas e conservadores que, na realidade, é cada vez mais absolvida pelos fiéis

Nesse sentido, certamente não ajudou o fato de que, à frente do Dicastério nos anos descritos, havia um cardeal brasileiro, João Braz de Aviz, que não teve boas experiências com os Arautos e que, em seus anos como bispo no Brasil, se encontrou em posição antagônica.

Os Arautos, porém, não têm abusos reconhecidos, pelo menos até agora. A obstinação pode ser justificada pela quantidade de acusações, mas, na verdade, quando nenhuma acusação é provada em tribunal, por que continuar o ataque?

Mas o caso dos Arautos do Evangelho lembra também, mutatis mutandis, o processo sobre a gestão dos fundos da Secretaria de Estado do Vaticano, o famoso “Processo Becciu”, porque, ao fim e ao cabo, há várias decisões que parecem arbitrárias, várias acusações que parecem preconceituosas e uma construção de narrativa que só pode levar a um ataque.

E, finalmente, o caso dos Arautos do Evangelho lembra muitos outros processos vaticanos dos últimos anos, com os investigados no centro de um estrondo mediático muito antes de poderem defender-se. Uma situação que lembra o personagem do Processo de Kafka, que se encontra num processo sem saber porquê e não pode fazer outra coisa senão defender-se sem saber como proceder.

Arautos JoaoPauloII BentoXVI

O livro, é preciso dizer claramente, foi escrito por dois Arautos do Evangelho. No entanto, o aparato documental, com cartas, comunicações e palavras exatas do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, é o que realmente deve ser analisado, sem preconceitos, para se ter uma ideia da situação.

Os pedidos para transformar a natureza da associação de fiéis, de privada para pública, são interpretados como uma vontade de se apropriar dos bens da própria associação. E sim, a visita apostólica, iniciada em 2017, obteve resultados definitivamente positivos, de acordo com o que foi apurado por várias fontes. O Dicastério, no entanto, decidiu colocá-los sob tutela.

São muitas as reivindicações levantadas contra os Arautos do Evangelho. Diz-se que os Arautos desobedeceram à decisão do Dicastério de não acolher menores. Na realidade, foram todas as famílias desses menores, chocadas com essa decisão e feridas em seus direitos, que assumiram a responsabilidade de manter as crianças em um ambiente saudável e católico. Falou-se de exorcismos realizados fora das atribuições diocesanas, mas na realidade tratava-se de “orações de cura”, uma espécie de “exorcismo carismático” cuja natureza foi esclarecida também pelo bispo local.

Acima de tudo, o fato é que mais de 30 acusações civis e canônicas movidas contra os Arautos do Evangelho terminaram bem para eles, como atestado pela própria comissão encarregada pela Santa Sé.

O que chama a atenção é que os Arautos enfatizam que nunca foram informados dos motivos da visita apostólica e da nomeação do comissário. Mas nem mesmo o comissário Cardeal Raymundo Damasceno Assis foi recebido como esperado, enquanto o bispo de Bragança Paulista, sob cuja jurisdição se encontra um número muito significativo de casas dos Arautos, nunca foi recebido.

Como uma realidade florescente da Igreja, os Arautos do Evangelho, desde 2019, não podem receber ordenações diaconais e sacerdotais – contrariamente à praxe do próprio dicastério –, têm obstáculos para abrir novas casas, nem mesmo podem acolher novos membros. Tudo foi congelado em nome de um processo que parece não ter fim.

O que fará agora Leão XIV? Esta é a questão que permanece. Ele ouvirá também a versão dos Arautos do Evangelho, permitirá que eles se defendam ou tomará uma decisão com base no que foi produzido pelo Dicastério ou nas informações que ele chegar?

O livro é uma leitura necessária, pelo menos porque é justo ler os documentos e ouvir o outro lado da história. É necessário sair do preconceito ideológico e tentar compreender se realmente se deve pedir aos Arautos que enfrentem a situação interna ou se, pelo contrário, se deve certificar que as acusações não têm fundamento na realidade.

Este equilíbrio é, hoje, o exercício mais difícil. É necessário, porém, que a Igreja supere a estação dos antagonismos e entre na estação da comunhão.

Por Andrea Gagliarducci, original em italiano no Vatican Reporting

Redação O Diário de Maringá

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