Entre a crise do trabalho e a violência de gênero: o que significa ser homem no Brasil de hoje.
Por Fúlvio B. G. de Castro
Professor de Sociologia e Bacharel em Direito.
No Brasil de 2025, discutir masculinidade tornou-se urgente. Em um país onde a economia instável, a precarização das relações de trabalho e a “pejotização” corroem a dignidade cotidiana, muitos homens se perguntam: qual é, afinal, o meu papel? A resposta, no entanto, não está na nostalgia de um passado patriarcal nem nas soluções fáceis vendidas por movimentos masculinistas como a Red Pill, mas na capacidade de reinventar o que significa ser homem — em diálogo com o feminismo.
A lógica tradicional do provedor — “ser homem é sustentar a casa” — entrou em colapso junto com o mundo do trabalho. Plataformas de entrega e transporte exigem jornadas de até 16 horas diárias, com renda incerta e zero proteção social. Enquanto isso, a “pejotização” transforma direitos históricos em custos individuais: férias, décimo terceiro, FGTS e segurança previdenciária desaparecem atrás de contratos que vendem “autonomia”, mas entregam vulnerabilidade. Para muitos, o fracasso econômico se confunde com fracasso existencial. Não à toa, estudos indicam que homens desempregados têm maior risco de depressão e suicídio.
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É justamente nesse cenário que o movimento Red Pill cresce no Brasil. Apresentado como um “despertar” para uma suposta verdade sobre as relações de gênero, o discurso atrai homens frustrados com a economia, com a competição no mercado de trabalho e com a ruptura de papéis tradicionais. Porém, especialistas alertam que a retórica Red Pill reproduz misoginia, culpa mulheres por crises estruturais e reforça noções tóxicas de virilidade baseadas em controle, força emocional artificial e rejeição ao afeto.
E enquanto alguns buscam respostas em discursos de ódio, a realidade mostra que o machismo continua cobrando seu preço mais brutal. Em 2024, o Brasil registrou 1.450 feminicídios, segundo dados oficiais — um aumento de 12% em relação ao ano anterior. A cada 17 horas, ao menos uma mulher foi assassinada por violência de gênero nos estados monitorados. Casos de violência doméstica, estupro e agressões seguem em níveis alarmantes, revelando que a desigualdade entre homens e mulheres não é apenas uma pauta teórica: é uma emergência nacional.
Mais mudança
Nesse contexto, um olhar masculino que concorda com o feminismo não é contradição — é necessidade histórica. O feminismo não é uma ameaça aos homens; é uma libertação compartilhada. Ele denuncia a violência que mata mulheres, mas também a que sufoca homens ao restringi-los a dois verbos: prover e transar. A socialização masculina, centrada na negação do afeto, incentiva homens a serem máquinas produtivas e sexuais — nunca seres sensíveis, cuidadosos ou vulneráveis. Isso não só gera sofrimento emocional como alimenta comportamentos violentos.
O desafio contemporâneo é romper esse ciclo. O papel dos homens hoje precisa ir além da economia. Exige participação ativa na construção de relações igualitárias, rejeitar a cultura da violência, denunciar discursos que inferiorizam mulheres e defender condições de trabalho dignas para todos. Ser homem no século XXI não é provar força, mas exercer humanidade: cuidar, sentir, dialogar, dividir responsabilidades e reconhecer que a vida é muito maior do que os papéis estreitos impostos por um sistema que já não funciona.
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A luta contra o machismo não é uma guerra contra os homens — é uma oportunidade de libertá-los de identidades esvaziadas. A verdadeira força está em desmontar a lógica que mata mulheres e destrói a saúde emocional masculina. Em tempos de precarização, misoginia digital e violência crescente, homens aliados ao feminismo não são exceção: são parte essencial da solução.


