Projeto de Giselli Bianchini pode virar ferramenta de perseguição religiosa em Maringá

A vereadora Giselli Bianchini propôs uma lei que pode multar em até R$ 16 mil quem desrespeitar símbolos ou objetos de culto religioso em espaços públicos de Maringá. É o Substitutivo nº 1 ao Projeto de Lei nº 17.215/2025, que pretende impor regras mais duras para garantir respeito às religiões.
À primeira vista, a proposta parece justa. Ninguém quer ver sua fé vilipendiada em uma praça pública. Mas será que esse projeto não pode ser usado para calar protestos ou manifestações artísticas? Quem decide o que é vilipêndio?
Uma charge, uma paródia ou uma intervenção artística podem ser vistas por uns como crítica, mas por outros como desrespeito. E aí mora o risco: a lei é vaga e carece de limites claros, podendo virar instrumento de censura.
Além disso, o Código Penal já pune quem ofende cultos religiosos. Criar uma multa municipal para o mesmo ato é duvidoso e pode resultar em dupla punição para uma mesma conduta.
A iniciativa da vereadora Giselli Bianchini pode ter boa intenção, mas, sem ajustes, abre brecha para arbitrariedades, abusos e silenciamento de vozes que discordam de práticas ou instituições religiosas. Proteger a fé é legítimo, mas não pode ser desculpa para atacar a liberdade de expressão, garantida pela Constituição. É papel do Legislativo encontrar o equilíbrio, e isso exige que a lei seja clara, justa e não se torne arma para intimidar quem pensa diferente.
O debate se torna ainda mais contraditório quando se lembra que a própria Giselli Bianchini, em ocasiões passadas, defendeu publicamente a intervenção militar com o então presidente Jair Bolsonaro no poder. Se a Constituição fosse aplicada com rigor, esse ato isolado já poderia ensejar responsabilização criminal, pois defender golpe militar afronta o Estado Democrático de Direito. Pela legislação em vigor, ela poderia, em tese, ser enquadrada nos crimes previstos no Código Penal, como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (artigo 359-L), incitação ao crime (artigo 286) e apologia de crime (artigo 287). Além disso, tal postura poderia configurar ato de improbidade administrativa e quebra de decoro parlamentar.
Em Maringá, a discussão está aberta e precisa ser feita com coragem, respeito e, principalmente, coerência. Quem propõe restringir direitos alheios deve ser o primeiro a respeitar os limites da Constituição.
Veja a análise feita pela redação do O Diário de Maringá sobre o projeto:
Análise crítica do Substitutivo nº 1 ao Projeto de Lei nº 17.215/2025, de autoria da vereadora Giselli Bianchini
Objeto: multa administrativa por vilipêndio a símbolos religiosos em espaços públicos.
Contexto e objetivo: o Substitutivo nº 1 ao Projeto de Lei nº 17.215/2025, de iniciativa da vereadora Giselli Bianchini, propõe a aplicação de multa administrativa, entre R$ 5.664,80 e R$ 16.286,30, a quem cometer ato de vilipêndio a símbolos, objetos ou atos de culto religioso em espaços públicos no Município de Maringá.
Mérito e fundamentação: reconhece-se que o Município detém poder de polícia para disciplinar o uso de bens públicos, conforme o artigo 78 do Código Tributário Nacional. Além disso, é legítimo o interesse local em manter a ordem e proteger direitos da personalidade, inclusive a liberdade de crença, garantida pelo artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal. Contudo, há aspectos jurídicos e constitucionais que exigem revisão.
Em primeiro lugar, existe risco de violação à liberdade de expressão, prevista nos incisos IV e IX do artigo 5º da Constituição Federal. A proposta não diferencia de forma objetiva atos de vilipêndio de manifestações de opinião, protesto ou sátira, todas protegidas constitucionalmente. Em segundo lugar, o conceito de vilipêndio é amplo e subjetivo. Em matéria sancionatória, exige-se precisão na descrição da conduta, sob pena de nulidade por violação ao princípio da legalidade estrita. Em terceiro lugar, há possibilidade de ocorrência de dupla punição, o chamado bis in idem, pois o Código Penal já tipifica o crime de vilipêndio a culto religioso no artigo 208. A criação de multa administrativa sobre o mesmo fato pode contrariar princípios fundamentais do Direito Penal e Administrativo. Por fim, a responsabilização solidária de patrocinadores e realizadores de eventos carece de critérios claros de dolo ou culpa, o que pode violar o devido processo legal.
Recomendações: recomenda-se redefinir o conceito de vilipêndio, restringindo-o a atos concretos e intencionais de destruição ou profanação. É fundamental garantir exceções para manifestações políticas, protestos pacíficos e expressões artísticas legítimas. Sugere-se também vincular a aplicação da multa à comprovação de dolo específico e prever mecanismos para evitar dupla punição quando houver processo criminal pelo mesmo fato.
Conclusão: nos moldes atuais, o Substitutivo nº 1 ao Projeto de Lei nº 17.215/2025, de autoria da vereadora Giselli Bianchini, apresenta fragilidades que podem gerar questionamentos de inconstitucionalidade e judicialização. Recomenda-se aperfeiçoar o texto, garantindo segurança jurídica e equilíbrio entre a proteção à fé e a preservação da liberdade de expressão.