O agro precisa ser tratado como o que é: um negócio, com riscos e responsabilidades

O agro precisa ser tratado como o que é: um negócio, com riscos e responsabilidades

Setor que se orgulha de ser o motor da economia ignora que, sem a agricultura familiar, o Brasil não teria comida na mesa

O agronegócio brasileiro costuma ser exaltado como o motor da economia, o setor que sustenta o PIB, que gera exportações e mantém o país de pé. Sim, o agro tem importância inegável. Mas é hora de parar de tratá-lo como uma entidade acima do bem e do mal. O agro é um negócio, e como todo negócio, tem riscos, compromissos e responsabilidades.

O problema é que, muitas vezes, o próprio agronegócio não se enxerga assim. Quando os preços estão altos e o dólar favorece a exportação, ele se esquece de que o povo precisa de comida. Esquece que a prioridade de um país deve ser alimentar sua própria gente, e não apenas vender grãos e carnes em moeda estrangeira. O discurso de que “o agro alimenta o Brasil” cai por terra quando vemos o preço do arroz, do feijão, da carne e do leite subir junto com os recordes de exportação.

Há uma contradição gritante. O mesmo setor que costuma criticar programas sociais como o Bolsa Família, chamando-os de assistencialismo, é beneficiado há décadas por crédito subsidiado, refinanciamentos e até perdão de dívidas bilionárias. O que o agronegócio muitas vezes ignora é que boa parte do dinheiro do Bolsa Família acaba voltando para o próprio campo, porque é usado justamente na compra de comida. Ou seja, o auxílio que alimenta famílias pobres também movimenta a produção rural. É o social sustentando o econômico, e não o contrário.

Enquanto isso, a rotina de parte significativa do agronegócio segue um padrão conhecido. Primeiro vem a caminhonete nova, depois as viagens, os grandes shows, a compra de imóveis e equipamentos. Quando a safra seguinte chega, muitos produtores se voltam ao governo federal em busca de novos financiamentos, pedindo subsídios e mais crédito fácil. E quando o volume de recursos não sai como esperam, começa a pressão política organizada para garantir que o setor tenha tudo o que quer. É um modelo de dependência travestido de força.

Mas há um outro lado do campo que raramente ganha espaço nos holofotes: a agricultura familiar. É ela que, de fato, coloca a comida na mesa dos brasileiros. Segundo dados da Embrapa e do IBGE, a agricultura familiar responde por cerca de 70% dos alimentos consumidos no país, mesmo ocupando apenas 23% da área cultivada. São pequenos e médios produtores que plantam o feijão, a mandioca, o milho, as hortaliças e o leite que abastecem o mercado interno. Eles têm pouco acesso a tecnologia, crédito ou grandes incentivos, mas garantem o essencial: o alimento diário das famílias.

Enquanto o agronegócio concentra suas forças em commodities e exportações, a agricultura familiar cumpre também um papel social, mantendo o campo vivo, gerando empregos locais e evitando o êxodo rural. No entanto, recebe uma fração do apoio que o grande agro tem. O resultado é um campo desigual: de um lado, o setor que se apresenta como salvador da economia e desfruta de privilégios públicos; de outro, quem realmente sustenta a alimentação do povo, mas luta com poucos recursos e pouca visibilidade.

Tratar o agro como negócio significa reconhecer seus méritos, mas também exigir suas responsabilidades. Significa entender que lucro não é tudo e que alimentar o próprio país é prioridade. É hora de cobrar coerência de um setor que quer ser visto como símbolo de modernidade e produtividade, mas que recorre ao Estado sempre que o mercado aperta. O verdadeiro agro forte é aquele que não depende eternamente de crédito subsidiado, nem se esquece de quem precisa de comida no prato.

No fim das contas, quem realmente alimenta o Brasil é o agricultor familiar. É aquele que trabalha de sol a sol, sem shows milionários, sem câmbio favorável, mas com o compromisso de fazer chegar à mesa o que o agronegócio, em sua euforia por lucro, muitas vezes esquece: o alimento.

O agronegócio mostra seu lado mais cruel: quando há lucro, é ostentação de caminhonetes, festas e bens de luxo. Mas na hora de garantir a próxima safra, depende do governo, de subsídios e perdão de dívidas. É um setor que se mostra forte, mas só sobrevive com ajuda pública, enquanto a riqueza é exibida por poucos e o risco é socializado por todos.

Redação O Diário de Maringá

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