7 de Setembro e o Vira-Latismo Bolsonarista

7 de Setembro e o Vira-Latismo Bolsonarista

Por Fúlvio B. G. de Castro
Professor de Sociologia e Bacharel em Direito.

No último 7 de setembro, data que marca a independência do Brasil proclamada em 1822, o país voltou a testemunhar uma cena que revela muito mais sobre dependência ideológica do que sobre soberania nacional. Em meio a bandeiras brasileiras, surgiram símbolos estrangeiros — sobretudo de Israel e dos Estados Unidos — hasteados por grupos bolsonaristas que afirmam defender a pátria, mas se mostram reféns de contradições históricas e cognitivas.
Contradições religiosas e políticas
Não é incomum ver, nesses atos, cristãos evangélicos enrolados na bandeira de Israel, um Estado que sequer reconhece Jesus Cristo como Messias. A ironia está no fato de que o termo “judeus” carrega a origem etimológica da crença que nega justamente o fundamento da fé professada por esses manifestantes. Paralelamente, o culto ao símbolo norte-americano reforça a dependência cultural: a mesma nação celebrada nas ruas brasileiras impõe barreiras tarifárias ao nosso país e mantém políticas protecionistas que afetam diretamente o agronegócio e a indústria nacional.
A falsa narrativa da “ditadura”
Outro ponto recorrente é a queixa contra uma suposta “ditadura” no Brasil. Paradoxalmente, essas vozes ecoam livremente em redes sociais, entrevistas e manifestações públicas, demonstrando total desconhecimento sobre o que significa um regime de exceção. Durante a ditadura militar (1964-1985), sobretudo após a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5) em 1968, a realidade era outra: cassações de mandatos, fechamento do Congresso, censura à imprensa e perseguição violenta a opositores. Estima-se que pelo menos 434 pessoas foram mortas ou desapareceram por motivos políticos no período, segundo a Comissão Nacional da Verdade.
O desmonte do pensamento crítico
Esse desconhecimento histórico não surgiu por acaso. Ele é fruto de um projeto educacional de longa duração. Já em 1966, o Acordo MEC-Usaid, firmado entre o governo brasileiro e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, começou a moldar o ensino nacional com forte influência norte-americana, privilegiando disciplinas técnicas e administrativas em detrimento das humanidades. O objetivo era claro: formar mão de obra para o mercado, mas sem desenvolver pensamento crítico.
Nos anos seguintes, especialmente durante a ditadura, disciplinas como Filosofia e Sociologia foram eliminadas dos currículos escolares. Essa lacuna deixou marcas profundas. Hoje, o Relatório do Todos pela Educação (2023) aponta que apenas 5 em cada 10 jovens brasileiros de 19 anos concluíram o ensino médio. Além disso, o investimento público por aluno no Brasil é quase três vezes menor do que nos países da OCDE.
No ensino superior, a situação não é melhor. O Censo da Educação Superior de 2022 revelou que as universidades públicas perderam mais de 200 mil matrículas em cinco anos, reflexo direto de cortes orçamentários e do sucateamento das instituições.
A ignorância como combustível político
É nesse vácuo de conhecimento que florescem as distorções propagadas pelo bolsonarismo: chamar o nazismo de “socialista”, relativizar os ataques de 8 de janeiro de 2023 e confundir liberdade de expressão com licença para disseminar fake news. A própria invasão e depredação das sedes dos Três Poderes não foi um crime contra indivíduos, mas um ataque direto à democracia e aos símbolos nacionais.
A síndrome do vira-lata em versão 2.0
O escritor Nelson Rodrigues cunhou a expressão “complexo de vira-lata” para se referir ao sentimento de inferioridade do brasileiro diante do estrangeiro. Hoje, esse fenômeno ressurge com nova roupagem: enquanto se grita contra um comunismo inexistente, reverencia-se a bandeira norte-americana; enquanto se fala em soberania, depende-se ideologicamente de Israel e dos EUA; enquanto se brada contra a censura, ignora-se que nunca se falou tão livremente.
O 7 de setembro deveria ser a celebração da independência, mas, sob o bolsonarismo, se transforma em espetáculo de dependência cultural, política e cognitiva. Não é só uma questão de ignorância histórica: é o resultado de décadas de desmonte educacional que fragilizaram a capacidade crítica da sociedade brasileira.

Redação O Diário de Maringá

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