Infância Violada: Crianças em abrigo de Maringá reacendem debate sobre educação e violência

Por Cleide Marchiotti, psicóloga e psicanalista
Enquanto crianças abrigadas em Maringá lutam para reconstruir sua história após traumas profundos, parte da sociedade ainda insiste em justificar a violência como ferramenta educativa. Recentemente, declarações de autoridades, políticos e comunicadores comparando a criação atual com os “tempos antigos”, onde “apanhar fazia parte da educação”, reacenderam um debate que exige seriedade e responsabilidade.
É preciso afirmar com clareza: essas crianças já foram vítimas de violência. Não estão nos abrigos porque são rebeldes ou difíceis, mas porque viveram situações de negligência, abusos físicos, emocionais e, em muitos casos, abandono completo. Defender que mais violência resolverá o problema é negar a dor que elas carregam e perpetuar um ciclo cruel.
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A psicanálise, desde Freud, nos ensina que a infância é a fase mais determinante da vida psíquica. Os traumas vividos nesse período não desaparecem com o tempo. Eles se alojam no inconsciente e reaparecem em forma de sintomas, angústias e padrões de repetição. Como dizia Freud: “As emoções enterradas vivas jamais morrem.”
Por isso, precisamos urgentemente de uma mudança de olhar. A solução para o sofrimento dessas crianças não está em mais punição, mas em mais escuta, mais cuidado e mais humanidade.
Defendo que a cidade de Maringá, assim como qualquer município comprometido com a infância, invista em políticas públicas que ofereçam mais do que um teto. É preciso garantir acompanhamento psicológico qualificado, formação continuada para cuidadores, vínculos afetivos consistentes e uma atuação integrada entre saúde, educação e assistência social.
Não se trata de “passar a mão na cabeça”, como alguns dizem, mas de olhar nos olhos dessas crianças e reconhecer: vocês foram feridas, mas podem ser curadas. A verdadeira disciplina nasce do vínculo e da confiança, não do medo.
A infância precisa de proteção, de presença e de responsabilidade. E nós, como sociedade, precisamos urgentemente parar de romantizar a violência que vivemos no passado e começar a construir o cuidado que queremos para o futuro.

Cleide Marchiotti é psicóloga clínica e psicanalista. Atua há mais de 20 anos com foco em psicanálise contemporânea e atendimento em temas como problemas de relacionamento, psicoterapia de casal, traumas psicológicos, terapia individual, sexualidade e processos de luto.